Bernardo, ‘Heleno do Vasco’: talento no pé e instabilidade na cabeça

O meia Bernardo, com quatro filhos de dois casamentos, leva ao longo da carreira um histórico de indisciplina e confusões.

Campeão da Copa do Brasil e vice-campeão brasileiro, Bernardo era um dos jogadores mais festejados do Vasco no fim de 2011. Após o empate com o Flamengo, na última partida daquele Brasileiro, elenco, comissão técnica, dirigentes e alguns conselheiros foram comemorar o fim da temporada numa churrascaria. Depois de algumas horas no local, o jogador – artilheiro do time, mesmo na reserva, com 18 gols – foi de mesa em mesa pedir aos responsáveis do clube que o contratassem de vez.

– Não me deixem voltar para o Cruzeiro, por favor, por favor. Eu quero ficar aqui – pedia Bernardo.

Menos de dois meses depois – e quase R$ 4 milhões pagos pelo Vasco ao Cruzeiro para adquirir os direitos econômicos do jogador -, acontecia uma reunião na sala do diretor de futebol do Vasco, Daniel Freitas, hoje no Náutico. Além dele, o presidente Roberto Dinamite, o vice-presidente Antônio Peralta e o vice de futebol José Hamilton Mandarino assistiram estarrecidos a um choro copioso de Bernardo. Dias antes, ele entrara na Justiça contra o clube, por atraso no salário e no depósito do FGTS.

– Foi só mais um episódio de completo desequilíbrio emocional do Bernardo. Ele chorava copiosamente, lamentava o que tinha feito, dizia que se sentia pressionado pelas dificuldades na família – lembrou um dos personagens que presenciaram a cena do início de 2012.

Na ocasião, chegou a São Januário a informação de que Bernardo acionara a Justiça pressionado por dívidas com traficantes e um agiota da Ilha do Governador, acumuladas por causa dos atrasos salariais. Pouco tempo antes, ele havia comprado uma casa para os pais em Sorocaba (SP). Aos 21 anos e sem muitas reservas econômicas, contava principalmente com o dinheiro das luvas relativas ao novo contrato com o Vasco para quitar o investimento e manter as contas em dia. De acordo com pessoas próximas, o atraso do clube no pagamento mexeu com o lado emocional do jogador, que, além de já ser pai de três filhos, estava em processo de separação com a esposa, então grávida.

O caso reforça um pouco a imagem de garoto-problema. Bernardo, com quatro filhos de dois casamentos, leva ao longo da carreira um histórico de indisciplina e confusões. Passou por todas as seleções de base – sub-15, sub-17 e sub-20 -, sempre com seu estilo marcante: muita entrega em campo e um jeitão meio tresloucado, além de ser um exímio cobrador de faltas.

Emprestado do Cruzeiro para o Goiás em 2010, Bernardo viveu boa fase e participou da campanha que levou o time à final da Copa Sul-Americana, quando perdeu nos pênaltis para o Independiente, da Argentina. No entanto, ele ficou fora dos dois últimos jogos, afastado por indisciplina pelo técnico Artur Neto.

Foi contratado pelo Vasco ao longo do Carioca de 2011 e não teve sequer uma apresentação oficial. O clube, que passava por má fase, sabia da fama de jogador-problema. O objetivo era tirar os holofotes do garoto que sempre mostrou talento e proporcionou polêmica por onde passou. Entrando aos poucos no time, chegou a deixar o camisa 10 Diego Souza no banco. Em boa fase, com o time disputando títulos, Bernardo estava nos braços da torcida. Mas fora de campo já se entrosava em boates e becos da pista e das favelas cariocas.

– Em Minas, ele também ia na favela. Eu ia com ele. Mas lá é mais tranquilo, vai qualquer um no morro. No Rio é mais perigoso, só sobe quem é autorizado – diz Laila Fonseca, ex-mulher de Bernardo.

Casada por seis anos com o meia, ela lamenta o deslumbramento de Bernardo na mudança de cidade.

– Ele virou outra pessoa quando foi para o Rio. Mudou totalmente. Por causa desses amigos, dessas idas a favelas – diz ela.

Algumas pessoas no Vasco conheciam as histórias de Bernardo e as relações perigosas que o meia mantinha. Em uma ocasião, chegou em casa e entregou R$ 27 mil a Laila, que perguntou de onde vinha o dinheiro. Ao saber que era um empréstimo de traficantes, já que o Vasco atrasava os salários, mandou que ele devolvesse a quantia.

Ele nunca chegou a ser afastado, embora proporcionasse episódios desconfortáveis. Na reta final do Brasileiro de 2011, subiu atrasado para o treino e de repente começou a chorar. O motivo nunca foi bem explicado.

– Ele alegou que passava por problemas na família. Dizem que ele sempre foi muito pressionado, que a família o vê como a salvação da lavoura – diz um dirigente que estava no Vasco em 2011.

Na primeira passagem pelo Vasco, Bernardo ainda estava casado com Laila, mãe de três dos quatro filhos que ele tem. Agora, após passagem apagada pelo Santos, voltou ao clube solteiro. Mora sozinho num apart-hotel na Barra da Tijuca, na Zona Oeste. Pessoas próximas dizem que ele parecia mais calmo, mas as festas – da Zona Sul ou de favelas – nunca pararam. Relacionamento com traficantes também não foi surpresa para muita gente.

– Descobrimos depois, mas ele sempre foi conhecido por isso. Não é à toa que, mesmo sendo reconhecidamente um bom jogador, nunca se firmou em lugar algum – contou outra fonte do Vasco ouvida pelo GLOBOESPORTE.COM.

No Santos, uma grave lesão muscular o obrigou a ficar alguns meses parado em recuperação. Foi a senha para que ele novamente se deixasse levar pela noite paulista, fazendo com que o técnico Muricy Ramalho sequer lhe dirigisse a palavra ou olhasse em sua direção. Percebendo o clima ruim, Bernardo passou a falar com frequência com jogadores e integrantes da comissão técnica, sondando a possibilidade de ser reaproveitado no clube em 2013.

Bernardo iniciou a atual temporada disposto a finalmente se firmar como titular do Vasco, dono de 50% de seus direitos (o Cruzeiro tem 37,5%, e a empresa de Léo Rabello, 12,5%). Durante os 15 dias de reclusão em Pinheiral (RJ), ele foi um dos destaques nos treinamentos de um time enfraquecido após a saída de alguns dos principais jogadores do elenco. E iniciou o Campeonato Carioca absoluto na equipe montada por Gaúcho, disparando como artilheiro. Mas a frequência na noite carioca acabou por cobrar seu preço dentro de campo.

– A gente sabia que ele estava perdendo a linha nas noitadas, não estava se cuidando. E, claro, isso afetou o rendimento no campo. Então não tinha como mantê-lo no time – afirmou um integrante da comissão técnica cruz-maltina.

A ex-mulher defende Bernardo. Lembra que ele “é um menino que carrega muita responsabilidade” para a idade que tem.

– Ele tem 23 anos, quatro filhos e uma família que depende totalmente dele. Até eu mesma sou um problema, porque preciso cobrar as coisas dele. A cabeça dele fica a mil – diz Laila, que admite já ter ido buscá-lo na favela depois de dois dias fora de casa.

O Vasco emitiu nota oficial de apoio ao jogador. Apesar de todos os problemas que causa, o meia é querido em São Januário. O diretor técnico Ricardo Gomes é um dos que tentam acalmar a fera. Bernardo chegou a ser barrado por Gaúcho no início do ano, mesmo sendo – ainda – o artilheiro do time. O acompanhamento psicológico também não surte muito efeito no meia, que, muitos apostam, ainda não aprendeu a lição.

– O Bernardo é um cara dócil, mas é um pouco oito ou 80. Tem esse jeito Menino Maluquinho de ser. É o nosso Heleno de Freitas – resume um integrante da comissão técnica do Vasco.

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