Nenê passa carreira a limpo e cogita não se aposentar no fim do ano

Em alta no Juventude, o meio-campista Nenê, de 42 anos, pode não se aposentar em dezembro, conforme previsto inicialmente.

Nenê em campo pelo Juventude
Nenê em campo pelo Juventude (Foto: Gabriel Tadiotto / Juventude

De Tom Hanks a Justin Bieber passando pelo Príncipe de Mônaco, resenhas informais com Messi, amizade com Neymar e parceria com Falcão. Quando alguém falar que aproveitou bem a vida, pergunte de volta: “Tanto quanto Nenê jogando futebol?”.

Em sua 24ª temporada como profissional, o meia do Juventude olha para trás com tanta história para contar que é difícil desapegar. Ao ponto de a aposentadoria, até dia desses uma certeza, se transformar em um ponto de interrogação. Os sete gols e quatro assistências que ajudam o time de Caxias do Sul na luta para voltar à Série A já deixam a sensação de querer mais.

— Já? Já de cara essa pergunta? (risos). Vou te falar: eu ainda não me decidi. O plano era esse, era jogar até dezembro, mas estou me sentindo muito bem fisicamente. Ainda faltam seis meses, não dá para eu cravar exatamente o que eu vou fazer, mas estou achando que se continuar assim vou querer mais um pouco. Não tem como eu falar agora que não vou parar mais. O plano era parar, né?

Aos 42 anos, Nenê caminha para o final da carreira com apenas quatro títulos no currículo, mas com a convicção de que aproveitou cada oportunidade que a bola colocou em seu caminho. Revelado em casa, no Paulista de Jundiaí, sua cidade natal, passou por 15 clubes em cinco países e colecionou experiências dentro e fora dos gramados.

Números da carreira de Nenê

  • 24 temporadas
  • 15 clubes
  • 5 países
  • 939 jogos
  • 265 gols
  • 4 títulos

As personalidades do início do texto são apenas algumas citadas neste “Abre Aspas” que viaja no tempo com o jogador que viveu em algumas das principais cidades do mundo: Rio de Janeiro, São Paulo, Barcelona, Londres, Mônaco e Paris, além da paradisíaca Mallorca e da moderna Doha. Lugares onde ele fez muito mais do que entrar em campo:

“Como eu ia imaginar que conversaria com o Príncipe de Mônaco, com o dono do Catar, com companheiros como Roberto Carlos, Ronaldo, Zidane? Você vai em outras esferas, como na música, atores…”

— Onde que eu encontraria o Tom Hanks e fazer o sem risadinha com ele, as pessoas nos apresentando como o camisa 10 do PSG? São inúmeros cantores: Justin Bieber, Rihanna, Chris Brown. São coisas que só o futebol pode proporcionar. Não só o lado financeiro, mas encontros, cultura… São algumas coisas bacanas.

Um nômade que encontrou em São Januário a identificação recíproca e necessária para ficar marcado. Para muita gente, virou o “Nenê do Vasco”, clube para onde já decidiu que vai voltar para trabalhar quando se aposentar – seja neste ou no próximo ano. Será o terceiro capítulo de um relacionamento que teve início e sintonia a partir da dor no primeiro encontro em 2015.

— A carência, a sofrência dos últimos anos. Quando eu cheguei, era o terceiro rebaixamento da década. Eu fiquei mesmo com proposta de todos os times do Brasil, dos rivais, joguei a Série B, fiquei até o time ficar bem.

“E se não tivesse acontecido a troca de presidente, os problemas financeiros, fiquei mais de seis meses sem receber… Se não tivesse isso, eu não teria saído do Vasco (em 2018)”

Com 939 jogos disputados e 265 gols marcados em contagem que começou pelo Paulista em 2000 e ainda continua, Nenê foi além do futebol em uma hora de bate-papo com o ge.

Confira a íntegra do “Abre Aspas”

ge: Quando você veio para o Juventude, estava mais decidido em parar do que está agora?

Nenê: — Isso. Nem é que eu estava mais decidido, estava acertado que eu ia jogar até dezembro e voltar para trabalhar lá (no Vasco) em outra função. Então, vim aqui para ajudar o time a, se Deus quiser, subir, que é algo muito importante para o Juventude e para mim também. Desde o primeiro dia, eu falei que iam ver o melhor Nenê possível. Não sei como vai ser, mas estamos vendo que ainda tem um caldo (risos).

Chegar aqui e performar em alto nível também era um desafio para mostrar que você tinha condição de seguir na elite do futebol brasileiro? Mostrar para o Vasco que dava para ficar no clube e ser útil?

— Acho que seria um pouco arrogante da minha parte dizer isso. Eu não estou fazendo para mostrar nada para ninguém, estou fazendo por mim. Estou fazendo porque acreditei no projeto, a vontade que eles tinham de me ter aqui. Isso já mostrava que eu poderia jogar em alto nível. O que aconteceu depois é uma consequência.

— Acho que todo mundo está vendo que eu poderia ter continuado lá no Vasco, ter ajudado, mas não é uma coisa que eu vim para isso. Até porque, conversamos numa boa e entendi totalmente pela maneira e estilo de jogo que seria do Barbieri. Tanto que já tínhamos conversado sobre a possibilidade do que fazer lá. Não foi nada para demonstrar. Todo mundo vê de fora, eu não preciso dizer. Realmente, eu faço as coisas com muita paixão e se for fazer eu vou entregar o melhor que eu posso.

“Demonstrar que a idade é apenas um número, se você é apaixonado, disciplinado e chegou a essa idade bem, é porque teve toda uma coisa por trás. Um convívio, uma disciplina, uma vida dedicada a isso. Fico orgulhoso, não para demonstrar a ninguém que eu poderia estar aqui”

O Romário falava que jogou até depois dos 40 anos porque era muito melhor do que a maioria. Você se destaca pela capacidade técnica, mas o futebol atual exige atitudes que vão além do que se vê em campo. Qual o segredo aos 42?

— É um conjunto de fatores. Acho que a qualidade técnica, principalmente na Série B, é uma coisa que diferencia bastante. Posso falar isso, até na Série A não vemos muitos meias hoje e isso me ajuda muito. E de eu fazer o que menino de 20 anos faz. Se você for ver os números do jogo, corri 11,5km, acho que foi o maior do time, e isso demonstra que estou fazendo a mesma média de todos. Estou fazendo tudo que posso fora de campo.

Ao mesmo tempo, é uma rotina que demanda muita privação para um jogador com a carreira já bem-sucedida. A paixão pela bola é o que te mantém? É esse apego mesmo que faz com que você não pare?

— É mais isso, cara. O futebol, o jogo, fazer um gol, brincar… É muito tempo já. É difícil. Foi bom acontecer isso com o Vasco, esse baque. Minha esposa fala isso, meus meninos, você nunca está preparado para parar, mas vai acontecer e você não pode deixar de tomar uma decisão por causa disso. Foi um baque tipo: “Caraca, vou ter que parar”. Aconteceu isso agora quando não iam renovar o contrato. Eu senti um pouco como seria. Pensei em aproveitar ao máximo cada dia porque é uma coisa que eu amo muito e não passa com o tempo. Dentro de mim vai continuar igual para sempre. Vou me preparar com a cabeça boa de que fiz muito além do que eu me imaginava quando virei profissional. Não imaginava chegar aos 40, agora 42 e pensando em jogar com 43.

Saber que está na reta final faz com que o prazer do dia a dia seja diferente?

— Isso! Eu quero ganhar tudo, aproveitar tudo. Até falo que o que vale é a resenha. Perguntam por que eu ainda estou jogando e eu falo: “Poxa, olha aí o tanto que a gente brinca, o que vale é a resenha, o salário é simbólico”. É uma brincadeira nossa. Você vai no treino e é legal, vai ao jogo e pensa que pode jogar de novo, ajudar o time a ganhar o jogo… Eu desfruto mesmo, os caras não entendem nada. Falam que eu estou feliz todos os dias e eles não sabem o quanto isso é bom. Claro que uma hora enche o saco a viagem, a concentração, mas depois vai acabar e eu percebi que vou sentir muita falta disso. Eu sou muito acelerado e penso no que vou fazer. Já penso em não parar, virar treinador, diretor, alguma coisa para ter rotina e não ficar em casa. Eu já sei que vou sentir muita falta.

Voltando no tempo, quando você passa a limpo mais de duas décadas de carreira, tantos clubes, países, desafios… O que mais te deixa orgulhoso?

— É muita coisa. É até difícil descrever. Eu nem sabia se me tornaria profissional do futebol. Poder ser revelado em sua cidade natal é uma coisa muito bacana. Sou muito grato ao Paulista, ao Luiz Carlos Ferreira, que me descobriu em um treino lá em Itupeva, reserva do juniores, me viu no coletivo, me levou para o jogo e no mesmo dia fiz dois gols. Tudo que eu comecei a passar, aquele sonho de menino de jogar em time grande, Europa, Palmeiras, Seleção, Santos, vários times europeus, momentos maravilhosos em todos os lugares. Fui para times médios, fui conquistando pouco a pouco as coisas.

— Não tive muitos títulos, mas o que mais me deixa feliz em todos esses anos, e não tem preço, é o respeito que adquiri de todo mundo. Todos os times que joguei, adversários… Claro que tem uma provocação jogando contra, mas em todo lugar que eu vou escuto: “Poxa, por que não jogou no meu time? Parabéns pelo seu trabalho”. Torcedor de Corinthians, Flamengo, Grêmio, Inter… Isso é algo incrível. Poucas pessoas conseguem esse respeito não só no futebol nacional, fora do Brasil também. O respeito de quem eu joguei contra, torcedores, ex-companheiros… Isso é algo que me marcou muito e vou levar para vida.

Imagino que esse comportamento venha muito de criação do Anderson, antes mesmo de existir o Nenê. Quais recordações você tem da infância? Como era sua vida antes do futebol em Jundiaí?

— Minha vida era uma delícia. Família era pobre, a maioria dos jogadores é assim, mas nunca passei fome. Meu pai trabalhava para a gente estar bem alimentado. Brincava na rua, jogava bola, soltava pipa, brincava de taco… Era de tudo. Tinha uma liberdade maior. Minha infância foi muito bacana, não era essa era das redes sociais. Minha vida sempre foi futebol desde que eu lembro por mim. Comecei lá no Floresta, no futebol de salão, passei por times da cidade, e era apaixonado pelo salão, mas ali não podia mudar a vida da minha família.

— Mudei para o campo e abriu o mundo para mim. Eu não imaginava o que podia ser. Praticamente não tinha saído do estado, só ia para casa da minha avó em São José dos Campos no Natal. Sempre tive dentro de mim a vontade de ajudar a família, você ver o tanto que meu pai sofria para botar comida dentro de casa. Ele trabalhava 11h por noite, não tinha tempo para nada, dormia o dia inteiro, minha mãe trabalhava de empregada… Eu abria a geladeira e só tinha o tomate. Não queria deixá-los nessa situação, eu também não queria essa situação, e tinha dentro de mim que Deus poderia me abençoar, não teria o dom à toa.

— Pude conhecer o mundo. Nem tive tanto estudo, acabei só o segundo grau, mas pude aprender outras línguas, idiomas, conhecer gente do mundo todo, gente famosa, amigos que eu tenho até hoje… Coisas que eu nunca imaginava. O que eu ia fazer? Trabalhar com meu pai na padaria. Eu não sabia fazer nada, a única foi que fiz foi ajudar meu pai a vender cachorro-quente na frente de casa para ajudar na renda e comia mais do que vendia. Então, realmente o futebol pode mudar tudo. Conhecer pessoas, culturas, viajar o mundo inteiro… Foi uma coisa totalmente diferente do que era, mas eu nunca deixei de ser eu, o Anderson. Eu sei de onde Deus me tirou e não podia ser diferente. Nós somos iguais, cada um tem um trabalho, uma renda, é mais conhecido, mas somos iguais.

“Minha maior alegria é poder tratar outra pessoa bem. Eu não era nada, a pessoa viaja não sei quantos km para me ver, tirar uma foto, como eu não vou tratar bem? Como não vou tratar igual outro adversário? Os lugares onde você passou e te abriram oportunidades. Como vou desrespeitar uma outra instituição? Há provocações do futebol, não sou perfeito. Já até briguei, mas quando me mandam (o vídeo) eu até peço para pararem, porque é um mau exemplo”

Ao mesmo tempo que o futebol é capaz de mudar a vida de uma família, ele também oferece tentações que muitas vezes colocam em risco uma carreira. Você em algum momento se viu nessa situação? Teve algum momento mais delicado?

— Teve antes de eu me profissionalizar. Isso foi bom até, por ter sido bem jovem, sem dinheiro. Eu estava no Paulista, nos juniores, e muitas coisas fora de campo eu fazia mesmo errado. Um amigo me levou para igreja e eu me converti. Eu estava para ser mandado embora. Bebia, não é que fumava, mas ia para o treino direto sem dormir, festas, uma coisa mais jovem. No começo, eu estava bem, titular e quando comecei a fazer essas coisas, já não estava mais. Até que meu primeiro empresário, o Nenê Cardoso, falou: “Desse jeito, os caras vão te mandar embora e tchau. Você não vai chegar ao profissional e não vai ser jogador”.

— Eu nunca fui de falar muito, era tranquilo, pé no chão e coração mole. Pensei: “Como assim? O que eu estou fazendo?”. Eu me converti, fui para igreja e parei com tudo. E Deus me mostrou uma semana depois, no dia que eu estava treinando na reserva, o Luiz Carlos Ferreira, que tinha fama de ser doido, me levou para o hotel no profissional. Eu entrei no jogo, fiz dois gols, fui eleito o melhor em campo. Era a Série C contra o Madureira. Depois, fomos jogar com o Comercial de Ribeirão Preto, dois gols de novo e melhor em campo. Aí, não voltei mais para os juniores. Então, não era coincidência, se eu fizesse as coisas certinho, ia ser abençoado. Foi quando eu parei com tudo mesmo. Eu já era casado, tinha filho…

— Jogador é fogo, né?! Casa novo. Foi tudo muito tranquilo por causa disso, quase aconteceu a merda antes de eu me profissionalizar. Eu consegui mudar e sentir a presença de Deus. Tipo: “Filhão, você já está no caminho certo, para de fazer as coisas que não deve”. Tem os momentos certos. Eu não julgo ninguém, bebo meu vinho socialmente, mas foi só fazer as coisas certinho.

E quando que o Anderson, que era chamado de Magrelo pelos amigos, virou o Nenê? É daqueles casos de apelido que pegou justamente porque você não gostava?

— Foi quando eu jogava bola. Eu sempre fui magrelo, mas era baixinho ainda, não tinha crescido muito. Já driblava, sempre tive isso, e quando sofria falta ficava reclamando. Até hoje, né?! Aí, falavam: “Você é o maior chorão, é um nenê”. Eu falava: “Que Nenê o quê?”. Acabou pegando e depois eu até gostei. Anderson já tinham vários, Nenê era mais fácil. Eu era bem novinho, acho que com uns 10 anos. Desde que eu jogava no Floresta (futsal) já tinha esse apelido.

O Nenê desde pequeno já era o diferente da turma?

— Pela minha maneira de jogar, por ser diferente dos amigos, eu era o primeiro a ser escolhido. Não tinha isso de ser o dono, mas como era bom estava sempre entre os caras que falavam mais. Antes, eram os times de rua, né? Os moleques da minha rua eram bons, fazíamos jogos contra as outras ruas e falava que o time da Rua José Bedeno ninguém ia vencer. Tinha essa rivalidade entre a gente das ruas mesmo. Sempre queria jogar contra os outros para dizer que éramos os melhores do bairro.

Mais do que a questão financeira, o futebol abriu portas e ofereceu oportunidades culturais. Você morou em cidades como Paris, Londres, Barcelona, Rio, São Paulo… O quanto isso foi enriquecedor para te tornar um homem mais realizado?

— Como pessoa mesmo é uma coisa inacreditável. Eu acho que estudando ou querendo fazer isso, eu não conquistaria o que conquistei através do futebol. Quem diria que eu ia falar francês, espanhol, inglês? E não é que falo algumas coisinhas, falo bem, me comunico. Se vou à França, a Paris, dou entrevistas em francês. Na Espanha, a mesma coisa, na Inglaterra… São coisas que se não fosse o futebol como eu ia ter? Ia ter que trabalhar muito, me especializar em uma área, ganhar bem… E não sei o que ia fazer.

— São conhecimentos mesmo, até de pessoas que você admira. Você parar e pensar que quer sentar e conversar. Como eu ia imaginar que ia conversar com o Príncipe de Mônaco, com o dono do Catar, com companheiros como Roberto Carlos, Ronaldo, Zidane? Você vai em outras esferas, como na música, atores… Onde que eu ia encontrar o Tom Hanks e fazer o sem risadinha com ele, as pessoas nos apresentando como o camisa 10 do PSG? São inúmeros cantores: Justin Bieber, Rihanna, Chris Brown. São coisas que só o futebol pode proporcionar. Não só o lado financeiro, mas encontros, cultura… São algumas coisas bacanas.

Qual desses encontros foi o que mais de impressionou?

— É loucura. Isso me marcou com o Justin Bieber, por exemplo. Fomos a uma inauguração em Paris e éramos os hostess. Ele adora futebol, queria conhecer o nosso CT, foi lá depois com o Neymar. O Tom Hanks também, um dos atores mais feras que tem. Ele começa a conversar, não me conhecia, mas o dono do hotel nos apresentou. Ele deu parabéns, eu falei que adorava o trabalho, supersimples. O Príncipe de Mônaco quando falava comigo em português eu ficava maluco, o Albert. Passava na rua, parava, cumprimentava… Adora brasileiro. São coisas que eu realmente nunca imaginava.

Tudo isso passa também por se permitir absorver e aproveitar as oportunidades que o futebol proporcionou. Há jogadores que jogam anos no exterior e não se envolvem tanto com a cultura local…

— É uma coisa que eu gosto. Acho que vai muito de cada um. Você poder aprender é legal, até por respeito ao lugar que você está. Vai de cada pessoa. Eu gostava muito de aprender uma coisa diferente, uma língua diferente. Tem jogadores que não precisam aprender. Você vê no passado o Ronaldo, por exemplo… Eles não precisavam aprender outro idioma e isso vai de cada um. Isso me ajudou a ter mais experiências fora do futebol que eu gostava também. Às vezes, o cara não gosta.

— No meu caso, eu não sou uma estrela mundial. Então, eu podia aproveitar. Ok, eu sou conhecido, mas não tem paparazzi. Ainda bem que não cheguei nesse nível porque senão a pessoa não tem vida. Eu tenho vida. Jogava em time de meio de tabela, Mallorca, Celta, Alavés, West Ham… Você pode ter a vida. Você é conhecido, mas pode ir para outros lugares, conhecer certas coisas. Não é culpa dessas pessoas que não podem fazer, é fogo. Eles querem fazer eu acho. Neymar, Ronaldo, Zidane, Ronaldinho, mas é difícil fazer por essa parte louca de ser celebridade.

Hoje, mesmo os menos badalados têm uma influência maior em quem consome o futebol. Você tem a preocupação de passar esse “preço” para os mais jovens, explicar da importância que cada um tem?

— Eu prezo muito por isso e falo muito com os meninos. Nós somos uma inspiração para as crianças, todo mundo vê a gente, e as crianças absorvem tudo. Temos que dar o melhor exemplo possível. Estamos jogando e participando do sonho de uma pessoa, e isso é muito forte. Me deixa feliz poder ser uma inspiração para um jovem, um cara que jogava contigo falar: “Caraca, vovô, você é referência, é inspiração”. Isso não tem preço. É um cara que está contigo, é o mesmo nível, somos todos iguais no direito de cobrar e ser cobrado, e temos que ter essa noção que representamos milhões de pessoas que querem estar no nosso lugar e sonham em fazer um dia o que nós fazemos. Isso me marca muito, principalmente com as crianças.

— Eu acho sensacional e tento realmente atender todo mundo que eu posso. É claro que é algo que eu gosto. Para mim, não é nada, mas para aquela criança é uma coisa única. Atendo todo mundo, só não consigo quando estou comendo (risos). Até falo zoando quando chegam: “Estou com um negócio aqui no meu dente?”. Isso faz com que eles estejam muito mais conectados com a gente, com o próprio sonho, e é algo que pode fazer a diferença na vida dessa pessoa.

Ainda pegando o gancho da parte cultural, o que você gosta de consumir além do futebol? Você é mais do cinema, da literatura, da música?

— Eu sou mais de filmes, de série… Gosto muito de ver filmes para continuar aprendendo. Filmes em francês, em inglês, no idioma original para sempre ouvir e treinar. Música eu gosto muito de louvor, de coisas internacionais. Não sou do livro, é algo que eu preciso melhorar. Até leio, mas só a bíblia mesmo. Prefiro um livro que tenha um filme. Gosto de fatos reais, documentários dos caras feras. Estou sempre vendo coisas novas, vi do Stephen Curry e gostei muito. Sou mais do cinema, séries e um pouco de músicas.

Moda eu sei que você curte, gosta de andar bem alinhado…

— É aquele estilo europeu, né (risos)? Eu geralmente estou com um jeans, uma camiseta legal, um casaco. Aprendi muito morando fora. Sou um cara mais clássico, não como os garotos de hoje em dia, o Vini, o Neymar, o Rodrygo, aquela coisa mais larga. Sou mais o estilo diretor, executivo. Estou velho também, né? Não tenho tatuagem.

Bem diferente daquele estereótipo do boleiro, não é?

— Até o cabelo, não faço o disfarce, nada… Só aquele topetinho. Hoje, o “normal” é o diferente. Então, eu sou diferente.

Sua carreira acabou sendo de muitos clubes, são 15 no total, mas com a impressão de ter sido gerida sempre pensando no passo adiante, em ir para um clube maior. Foi algo pensado estrategicamente? Qual a sua percepção dessas escolhas com tantas trocas?

— Foi uma coisa muito de escada mesmo. A única coisa que talvez eu poderia ter esperado um pouco mais foi no Santos, quando estava só seis meses no clube, artilheiro, cotado para a Seleção… Foi depois do título com Robinho e Diego, fomos vice-campeões da Libertadores e foi uma pena. Tinha aquilo do sonho de jogar na Europa, veio o Mallorca, que estava na Uefa e na final da Supercopa contra o Barcelona, e era legal, né?! Mas não era um time grande de cara. Às vezes, penso como seria se eu ficasse mais um pouco. Mas não me arrependo de nada. Sou feliz com as escolhas que tomei, tinha os empresários, e achamos que era bacana.

— Depois desse ano, diminuíram os lugares de estrangeiros do time. Em vez de ir para um time maior, fui para o Alavés, que era um pouco melhor. Eu não queria esperar o Eto’o ser vendido para o Barcelona. A proposta foi excelente para ganhar mais e acabei indo. Dali para frente, foi uma escada. Para o Celta, onde fui comprado, fiquei um ano e fui para o Mônaco. Foi uma crescente, sempre para clubes maiores, o que estava previsto até o PSG. Foi rápido por eu me destacar e ser vendido. Só depois do PSG que foi uma escolha mais financeira de ir para o Catar, apesar de ter propostas da Europa e do Brasil. Tinha proposta do Santos, do Corinthians… Ainda voltei para Europa, no West Ham, e depois já estava há muitos anos fora e vim para o Brasil. Meus filhos estavam morando aqui, eu me separei, e vim para o Vasco em 2015.

Ainda assim, você conseguiu criar uma identificação com o Vasco. Muita gente se refere a você como “o Nenê do Vasco”. Há explicação lógica para essa relação?

— Foi uma coisa muito recíproca. Eu queria mostrar que estava bem. Voltei para o Brasil com 34, geralmente os caras já estão parando e pensam que é mais um para roubar. A verdade é que eu estava há muito tempo fora do Brasil e os times onde joguei e tive momentos muito bons foram em 2003, 2004… A geração que me viu no Palmeiras, no Santos, no Paulista, teve os filhos, e esses filhos não lembravam mais de mim. A geração nova não tinha me visto jogar no Brasil. Então, eu tinha que voltar e mostrar para eles. Eu quando era menino não lembro dos jogadores, só de Copa do Mundo. Então, o Vasco fez com que eu fosse conhecido de novo. Já é uma outra carreira no Brasil, quase oito anos.

“E a identificação foi grande porque o time precisava muito e eu também precisava, queria ajudar, fazer uma coisa diferente, ajudar a resgatar a história. É um time multicampeão e criou uma relação”.

A carência do Vasco nos últimos anos foi determinante?

— Isso. A carência, a sofrência dos últimos anos. Quando eu cheguei, era o terceiro rebaixamento da década. Eu fiquei mesmo com proposta de todos os times do Brasil, dos rivais, joguei a Série B, fiquei até o time ficar bem. E se não tivesse acontecido a troca de presidente, os problemas financeiros, fiquei mais de seis meses sem receber… Se não tivesse isso, eu não teria saído do Vasco. Meus filhos moram em Jundiaí, eu tive a proposta do São Paulo, era são-paulino de criança, não podia mais trabalhar sem receber e acabei saindo. Depois, acabei voltando.

— Já tenho minha carreira consolidada e não tinha problema de ir para um time na Série B. Ali, foi um sentimento de amor mesmo, de ter virado vascaíno. O tanto de carinho que recebi, vivemos momentos bons. Fomos campeões invicto. Não é importante o Carioca, mas classificamos para a Libertadores, ficamos não sei quantos jogos invictos… Foram momentos bacanas. Eu senti isso, o torcedor também sentiu, e isso marca a gente.

Você tem um acordo para voltar ao Vasco após a aposentadoria. Como tem sido o preparo para seguir no futebol fora dos gramados?

— Hoje em dia, o jogo é diferente, é mais estudado, é mais rápido. Eu estudo. Preciso terminar a licença B da CBF, estou fazendo também curso de gestão, de executivo. Fiz um curso de transição da Uefa e quero fazer mais, lá é onde está o top. É algo que eu tenho essa abertura e com certeza quero estudar. Não ainda da maneira que eu gostaria, por ainda estar jogando, mas vou estudar muito. Eu vou começar do zero, por mais que eu tenha a experiência. Hoje eu sou um, depois vou ter que pensar no todo. Hoje, sou uma pessoa, depois vou ter que pensar no clube todo, na instituição, vai ser muito diferente. Vou estudar muito para saber em qual sentido que eu vou. De treinador e ou da gestão.

Sua previsão é emendar direto ou tirar um tempo livre?

— Acho que vou emendar direto. Tirar uns meses, mas emendar direto. Acho até bom. Se eu parar, não vai ser a mesma coisa. Estamos dando o exemplo do Vasco. Vai que contrata outro e depois como vai tirar? Só porque é o Nenê não. Acho que vou emendar logo depois que eu parar.

O pós-carreira vai ser mesmo ligado ao futebol ou há um lado empreendedor no Nenê? Você investe em alguma coisa?

— Eu já fiz muita coisa. A gente investe em muita coisa errada, vai aprendendo, não tem experiência, escuta uma pessoa ou outra. Mas é uma coisa básica mesmo de imóveis, corretora de investimentos para deixar o dinheiro com quem conhece. Eu não sou especialista. Claro que tem coisas que eu gosto. Tenho um amigo que é cavaleiro. Temos alguns cavalos, ele salta em campeonatos, ficou como sexto melhor do Brasil e compramos um cavalo há dois meses. É algo mais pela nossa amizade, não por conhecer. É uma confiança que eu tenho. Penso também em investir em jovens jogadores, que é algo que eu sei. Pretendo ter um clube.

Pensa em comprar o Paulista lá em Jundiaí?

— Paulista eu não sei. Está caro, né? (risos). Tem muitas dívidas. O que eu puder fazer para ajudar, eu vou fazer, mas não sei se vou ter essa bala. Assim, são ideias. Como empresário eu não sei se gostaria de ter aquela rotina diária. Não tenho nada definido. A melhor coisa que você faz é estudar um pouco, mas deixar o dinheiro parado com uma corretora que passe segurança e tenha conhecimento. Você não arrisca tanto. Minha carteira já é um pouco maior, tenho muito tempo de casa, mas é uma coisa que você faça sem risco e vá ter retorno.

Pular para o lado de cá da imprensa é algo que seduz?

— Já me falaram isso. É algo que eu também penso, está na balança junto com treinador, diretor… Está na prateleira, mas não sei ainda. Não sei como que é, mas é algo que eu já fiz algumas vezes bem. Está no radar. Não é prioridade.

Você tem uma passagem de muito sucesso pelo PSG, mas acaba saindo antes dessa mudança de patamar do clube. Como alguém que esteve dentro do início deste processo, de que maneira você vê a dificuldade que o clube tem de se estabelecer no primeiro nível europeu e ganhar a Champions?

— Eu cheguei realmente no PSG antigo. Já era um clube grande, mas não era a potência que é hoje. O time não estava tão bem, há muitos anos não disputava a Champions League. Eu sempre tive isso de ir para um time não tão bem, mas tinha na cabeça o desafio. “E se eu for bem? Vou ter ainda mais moral e não mais um”. Foi o que aconteceu e eu me destaquei de cara.

— No primeiro ano, fiz muitos gols, fui o melhor do time, entrei na seleção do campeonato e entramos para a Uefa. No segundo ano, não fomos campões por três pontos. Relaxamos e o Montpellier passou a gente nas últimas rodadas. No segundo ano, já estava o grupo do Catar com a mentalidade de reforçar mais e ficar em um nível europeu. Os primeiros anos foram pouco a pouco. Chegou o Thiago Silva, Maxwell, Thiago Motta, Pastore, Lavezzi, depois o Ibra…

— Foi pouco a pouco que foram reforçando e já com a mentalidade de ganhar a Champions, mas é difícil. Não é só ter time bom, é um campeonato diferente, com uma pressão diferente. Você vê que os times com mais camisa, mais tradição, geralmente têm uma mentalidade diferente que o PSG precisa aprender. E está aprendendo. Bateu na trave na final com o Bayern, não teve sorte com o Neymar machucando. Acho que focaram muito nos atacantes, nos melhores do mundo, mas é preciso um time inteiro coeso, um banco nível A. Acabou desbalanceado o time, não ficou coeso como é necessário.

— É um time novo e que ainda vai pegar experiência. Mas a torcida acaba perdendo a paciência, que foi o que aconteceu. Tem atrito, os caras acham que é por causa do status dos jogadores. Claro que ter time conhecido com os melhores do mundo é bom, mas se não ganhar você acaba sendo crucificado e julgado. É uma pena não ter ganho ainda, mas que aconteça rapidamente.

Ficou a sensação de que a sua saída não foi por performance, mas pelo clube estar mais preocupado com o status das contratações? Na época, especulou-se que havia um atrito com o Ibrahimovic…

— Não foi nada com o Ibra. Foi mais com a diretoria. Tendo feito o que eu fiz, fui artilheiro do campeonato junto com o Giroud mesmo sendo meia, e meu contrato ia acabar. Eu precisava renovar. Pelo que eu fiz, tivemos conversas de renovação e a diretoria falou: “Vamos esperar um pouco e ver como você vai reagir se ficar no banco”. Eu achei que não foi correto e a partir daí vieram as propostas. Como assim eu era o melhor jogador do time e por algo a parte do campo eles não iam renovar? Eu sempre gostei de jogar, mas não sei se eles tinham algum receio. Para mim, isso não era motivo para não renovar e isso nos atrapalhou, me fez pensar em sair.

— A proposta do Catar era absurda e eu pensei: “Estou dentro”. Com o Ibra não teve nada demais, era coisa do treino de briga com qualquer um, coisa normal. Era coisa mais de fora mesmo. Falaram até que ele queria a 10, mas isso nunca chegou a mim nem pelo clube, nem por ele. Foi algo mais por ele realmente ter uma personalidade forte. Eu me dei muito bem com ele. Depois que eu saí, ele mesmo disse que o clube não devia deixar eu sair. Foi pela parte da diretoria que eu não achei correto.

Não tem como passar pela sua carreira e não falar do “sem risadinha” que virou febre no meio do futebol. Como surgiu isso?

— Foi uma coisa que ficou absurda, né?! Teve um boom inacreditável. Começou eu, Fabiano, Falcão, Denílson… Estávamos em uma resenha de fim de ano, e o Fabiano contou que encontrou com o Mano Brown, foi tirar foto todo feliz por ser fã, e o Mano Brown disse: “Qual foi, mano? Não, não, não. Sem risadinha”. Eles contaram e começamos a fazer nos lugares, fizemos até a marca (de roupa) que acabou não dando certo, alguns problemas de coisas de loja que não temos conhecimento. Mas foi inacreditável. Toda foto que eu tirava a gente fazia. Tom Hanks, Bruno Mars, Justin Bieber… Aqui no Brasil, vários jogadores fizeram de todos os times, quando fomos campeões pelo Vasco o time todo fez. Isso começou com essa história do Mano Brown.

Seleção brasileira é uma lacuna na sua carreira? Você teve oportunidades na olímpica ainda no começo da carreira, mas depois não teve mais convocação…

— Foi um conjunto de coisas. Na minha época, tinha caras que era mais difícil. Kaká, Ronaldinho no auge… Eu jogava mais de ponta e a competição era muito grande. E tinha também a parte de eu jogar em time de médio calibre, não disputar títulos, que eu não tenho muitos. Acho que é isso. A concorrência era grande e quando eu estava bem aconteceu do treinador não escolher. Na minha opinião, quando eu estava no PSG devia ter oportunidades. No Vasco também quase fui algumas vezes, mas sempre acontecia alguma coisa. Não era para acontecer e sou tranquilo quanto a isso, sou muito grato.

Você tem uma carreira de poucos títulos, apenas quatro, mas que fez muitos amigos. Sua relação com o Neymar, por exemplo, que é de outra geração. Os relacionamentos são seus maiores títulos? Dá para falar assim?

— Amigos e respeito. Amigos que eu nunca imaginava ter. O Neymar é o melhor das últimas gerações. Estávamos brincando do Messi, que mandou mensagem para ele, e eu falei que ele no auge é melhor e mais completo na minha opinião. Ele é absurdo. Realmente, você ter amigos e o respeito de caras desse nível… O próprio Messi que chega e a gente conversa. Caras que eu sou fã. Ronaldo, Roberto Carlos, Zidane… Ter amizades, ser colega, ter o respeito de pessoas do mundo inteiro que você admira não tem preço e vou guardar para sempre para mim.

Se você olhasse para esse menino (foto do Nenê criança com a bola no pé) e pudesse conversar com ele, o que você falaria?

— Muito orgulhoso dele (olhos marejados). Muito orgulhoso do que esse menino construiu, do que pôde fazer e mudar a vida de tanta gente, principalmente da minha família, filhos, pais, irmãos, amigos… Poder ter o carinho e admiração de todos da minha cidade dessa época. Voltar e falar: “Caramba, ninguém dava nada para nós”. Muito orgulho e gratidão a Deus. Se não fosse Deus, eu não chegaria onde eu cheguei, não seria jogador de futebol, agradecer por esse dom e por utilizá-lo por tantos anos, quebrar paradigmas e recordes. Quem sabe quando eu vou parar? Muito orgulhoso do que esse menino se tornou.

Fonte: Globo Esporte

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1 comentário
  • Responder

    Grende Nenê, parabéns pela sua história de vida e de conquistas, você merece tudo de bom.
    Que bom que o Vasco da Gama faz parte da sua vida.
    Força Vasco!!!
    Seu lugar é no Vasco, pois você é o Nene do Vasco.

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