Jardel relembra passagem e revela gratidão pelo Vasco

Herói do tricampeonato Carioca, o ex-atacante Jardel contou histórias e contou que era tratado como 'grandalhão desengonçado'.

Jardel nos tempos de Vasco
Jardel nos tempos de Vasco

O dia 15 de maio de 1994 amanheceu diferente para Mário Jardel Almeida Ribeiro. O atacante, até pouco tempo antes reserva do Vasco e visto por muitos como um “grandalhão desengonçado”, acordou com a possibilidade de fazer história pelo clube. Horas mais tarde, ele agarrou a chance e deixou seu nome gravado no rol de heróis vascaínos.

Há exatos 30 anos, o Vasco vencia o Fluminense por 2 a 0 e conquistava, pela primeira vez, o tricampeonato carioca – os rivais Botafogo, Flamengo e o próprio Flu já haviam conseguido o feito. Jardel fez os dois gols da partida que mudou o rumo da sua vida.

A ansiedade era grande na arquibancada do Maracanã e longe dali. Pela pontuação do quadrangular final, o jogo tinha importância não só para as duas torcidas envolvidas. Quem vencesse entre Vasco e Fluminense seria campeão. Em caso de empate, a taça ficaria com o Flamengo.

A tensão dos torcedores não era compartilhada por Jardel, que entrou em campo certo de que aquele seria seu dia. O jogador teve seu destino antecipado nos dias anteriores em uma consulta que lhe revelou o que estava por vir.

– Na época, eu fiz uma visita a um pai de santo, e ele me disse que eu ia fazer os dois gols do tricampeonato. Dito e feito. Hoje eu tenho outra religião, sou evangélico, mas tenho essa lembrança – recorda o atacante em papo com o ge.

De reserva a substituto de uma estrela

Jardel chegou ao Vasco no início da década de 1990 para as divisões de base, pelas quais foi bicampeão brasileiro. Esteve na seleção sub-20 que conquistou o Mundial da categoria em 1993, na Austrália.

Ao subir para o profissional, inicialmente Jardel não teve o mesmo destaque. Em 1992 e 1993, ele transitou entre a base e a equipe principal, participando das conquistas estaduais dos dois anos.

– Você me fez voltar lá atrás. Me lembro como se fosse hoje de 1992. Primeira bola que eu peguei, fiz um gol. E na quarta-feira da outra semana eu já estava jogando na base de novo. Tenho boas lembranças, fiz gols nos três estaduais – diz Jardel.

– Foi muito interessante meu percurso no Vasco. Fiz um teste com 17 anos e fui aprovado. Comecei a fazer gols na base e subia e descia para o profissional. Eu treinava muito as finalizações depois dos treinos, isso me ajudou a adquirir confiança – acrescenta.

A mudança de status teve um capítulo triste: 25 dias antes do tri, o titular Dener morreu em acidente de carro na Lagoa Rodrigo de Freitas, e o Vasco perdeu um dos principais jogadores do Brasil à época. A morte do camisa 10 obrigou o clube a fazer mudanças no ataque. E Jardel foi o escolhido para substituí-lo. Ele não era a primeira opção do então técnico Jair Pereira, mas contou com a ajuda de um colega.

– Lembro que o Ricardo Rocha falou com o Jair para me colocar no lugar do Dener. Ele ficou na dúvida, mas me colocou. A relação com o Dener e todo o grupo era muita boa. Era só jogador de ponta: Carlos Alberto Dias, Geovani, Bismarck, França, Luisinho, Pimento, Carlos Alberto Torres, Ricardo Rocha, Cássio, Carlos Germano, Valdir, Pedro Renato… – conta ele, que continua:

– O Dener era muito alegre no vestiário, muito simpático. Aconteceu a fatalidade e eu peguei a responsabilidade de fazer história, e acho que fiz. Depois fui até o lugar onde ele morreu e dediquei a ele. Se ele não tivesse morrido, ele ia ser com certeza um dos melhores do mundo… Gostaria muito que o Vasco voltasse a ser o grande Vasco da minha época.

O “grandalhão desengonçado” ganhou o mundo

É inegável o espaço de destaque que Jardel alcançou na história do Vasco. Ainda assim, o artilheiro não conseguiu criar forte identificação com a torcida vascaína. E nem mesmo se firmar no time nos anos seguintes. Em 1995, foi cedido ao Grêmio.

– Não fui unanimidade no Vasco, as pessoas me chamavam de grandalhão desengonçado, e esse grandalhão desengonçado fez dois gols na final. Tive uma história muito bonita, mas não tenho tanta identificação com a torcida, até porque era inconstante a titularidade. Devo muito ao Vasco, sou muito grato a todos que participaram da minha história no clube. Para mim é inesquecível.

– Infelizmente não acabou bem, saí emprestado. As pessoas perguntam: “Como esse cara foi campeão e artilheiro da Libertadores e aqui no Vasco não foi tão aproveitado?”.

Jardel é o único brasileiro com duas Chuteiras de Ouro, prêmio concedido ao maior artilheiro da temporada na Europa. Jogou em dez países: Brasil, Espanha, Inglaterra, Argentina, Turquia, França, Chipre, Austrália, Bulgária e Portugal, onde foi ídolo de duas torcidas, a do Porto e a do Sporting. Herói do Grêmio e um dos cinco maiores goleadores da Libertadores, Jardel ainda vestiu a camisa da Seleção 11 vezes.

– Foi uma história meio desconfiada da torcida do Vasco comigo, mas meu destino estava escrito. Eu tinha que fazer aqueles gols. Hoje, eu sou ídolo do Vasco, do Grêmio, do Porto, do Sporting e do Galatasaray. Poucos jogadores do mundo conseguem isso. É muita história, costumo dizer que o sucesso dá muito trabalho.

– Tenho certeza de que Deus guardou e guarda coisas boas para mim, sou um homem de muita fé. Com muito trabalho, sacrifício e treino. As pessoas não sabiam, mas eu treinava na praia à noite. Já cabeceava bem e fazia dois treinos extras na praia, correndo e treinando finalização, cabeceio. Ficava fácil na hora do jogo, só escolhia o canto para colocar a bola. Nada foi por acaso.

Relação com Eurico e campanha “Fica, Jardel” no Grêmio

O primeiro contrato profissional de Jardel com o Vasco foi assinado em 1993, sob gestão do então vice-presidente de futebol Eurico Miranda. Uma das figuras mais icônicas e polêmicas do futebol brasileiro tinha boa relação com o atacante, que conseguiu convencer o dirigente a contratar seu irmão posteriormente. O também atacante George Jardel atuou pela base e jogou no time principal em 1997.

– O Eurico era truculento, brigava com todo mundo, mas eu mexia com o sentimento dele, sabia como chegar, e ele gostava muito de mim, porque sou muito transparente e alto astral. Eu tinha um irmão que jogava muito bem, falei com o Eurico e ele o levou para o Vasco. Jogou de titular lá mais cedo do que eu, com 16 anos – lembra Jardel, que completa:

– Me lembro das 10 promissórias que Eurico fez para mim, de R$ 5 mil, quando voltei da Seleção sub-20 campeão do mundo. Isso fez com que eu comprasse meu primeiro carro, comecei a decolar, a fazer gol. Veio o Grêmio e foi aquela história fulminante lá também. Fui emprestado com valor fixado de pouco mais de 1 milhão de dólares. Comecei a ganhar lá, o Grêmio fez uma campanha “Fica, Jardel” com doação dos torcedores para comprar meu passe.

“Me sinto como se tivesse 17 anos”

Ídolo e vencedor por onde passou, Jardel enfrentou percalços depois de parar de jogar. O caminho fora de campo teve uso de drogas, acusação por corrupção como deputado e depressão.

Aos 50 anos – completa 51 em setembro -, Jardel garante viver o melhor momento da vida. Deixou para trás o vício em cocaína e considera vencida a depressão com a ajuda da terapia, que frequenta semanalmente.

– O melhor momento é este que eu vivo, com Deus, com sabedoria, não consumo mais nada ilícito. Tenho feito ótimos contratos e relacionamentos, mudei toda minha rotina, dei a volta por cima. O conselho que dou é que você pode tudo, tanto cair como levantar, não pode é persistir no erro. Todos os dias estou com Deus, tenho terapia, procurei ajuda e ganhei esse fortalecimento diário. Passei por esse caminho e venci.

– Estou livre, leio todos os dias, escrevo como foi o meu dia. A quem tem medo, digo que enfrente. Eu passei pela depressão, enfrentei e venci. Tanta gente com problemas irreversíveis e a gente se lamentando. É levantar a cabeça e viver o dia a dia com serenidade, amor próprio e limpo.

Eleito deputado estadual pelo Rio Grande do Sul em 2014, Jardel virou alvo de investigação do Ministério Público no ano seguinte, suspeito de desviar verbas da Assembleia Legislativa, exigir parte dos salários de funcionários fantasmas e até de envolvimento com traficantes. Ele chegou a ser afastado do cargo e, no fim de 2016, teve o mandato cassado.

– Aquilo foi armação para mim, ficou para trás. Eu sabia que seria eleito, a torcida do Grêmio me elegeu, eu errei em não colocar pessoas capazes, pessoas de dentro armaram para mim. Já consegui desbloquear meus bens, nada foi provado, falta um ano e meio para isso prescrever – afirma.

Em entrevistas passadas, Jardel chegou a pedir desculpas ao povo gaúcho pela inexperiência e disse acreditar que a depressão e os problemas com drogas afetaram seu desempenho na política.

Hoje, Jardel vive em Fortaleza, mas roda o Brasil e o mundo participando de eventos. Ele atendeu à reportagem do ge quando estava na Itália. Depois seguiu para Istambul.

– Participo de inaugurações, (tipo) presença VIP. Estou assinando contrato com uma casa de apostas também. Tem coisas grandiosas acontecendo na minha vida, me sinto como se tivesse 17 anos. Eu estou me comprometendo, me comportando, não faço mais nada errado, não bebo, não uso drogas. Eu tenho uma estrela enorme e tudo o que tenho feito tem dado certo – conclui.

Fonte: Globo Esporte

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