Conheça Pretinho, o motorista do Vasco da Gama
Edson Modesto de Sá, motorista do Vasco da Gama, fala sobre sua história no Clube e como é a convivência com os jogadores.
Edson Modesto de Sá chegou às categorias pré-mirim e mirim do Vasco em 2004. Cerca de um ano depois ele já estava no profissional. Como? Atrás do volante do ônibus que transporta os jogadores cruz-maltinos para treinos, jogos e viagens. O GloboEsporte.com te leva para perto do motorista que conviveu com diversos atletas que passaram pelo clube nos últimos 18 anos. Pretinho, como é conhecido por todos, acompanhou alguns jogadores desde crianças.
– Philippe Coutinho fazia futsal nessa época, quando comecei a trabalhar. Uma vez levei ele, Marlone, Alex Teixeira para Tamarana, onde iam disputar um campeonato infantil. Vi Coutinho (hoje no Barcelona) crescer no Vasco. E também o Paulinho (vendido ao Bayer Leverkusen), que é tranquilão, não dava dor de cabeça nenhuma. Carreguei também Alan Kardec. Todos são bacanas.
“Todo mundo é pretinho”
“Pretinha, começou assim… Isso que aconteceu, pretinha…”. Foi dessa forma que Edson tratou a reportagem durante os muitos minutos de papo em São Januário, dentro do ônibus que carrega o time profissional do Vasco. Logo entendemos porque os demais funcionários demoraram a compreender quem era o Edson que procurávamos na chegada: “Ahhh, o pretinho”…
– Eu não chamo nenhum dos jogadores e funcionários pelo nome, chamo de pretinho. Não falo Breno, Wagner… Só pretinho. Todo mundo é pretinho – explica o motorista, que tem uma relação de pai e filho com os atletas que carrega.
– Tenho todos os jogadores como se fossem filhos. Ajudo como eu posso, às vezes com conselhos, principalmente os mais novos, que sobem da base. Têm atletas que eu acompanho desde pequenos, 10 anos de idade, até chegarem ao profissional e saírem do clube.
E as brincadeiras?
É fato que o momento atual do Vasco não permite muitos sorrisos e brincadeiras entre os atletas. Mas o que acontece dentre do busão fica dentro do busão… Ou não. Momentos de alto astral são importantes para superar o conturbado ambiente interno e os recentes resultados, mas Pretinho não quis se comprometer.
– O pessoal é bem tranquilo… O que acontece é que quando algum atleta atrasa, por exemplo, aí todos zoam, brincam – conta o motorista, que cita alguns jogadores:
– Martín Silva parece meio sério, não é muito de falar, mas ele brinca também, tem seus momentos. Wagner, Thiago Galhardo, Kelvin e Gabriel Félix acho que são os mais brincalhões… A verdade é que todos são amigos. O Breno, até estranhei a confusão no jogo com o Flamengo (no dia 19 de maio, pelo Brasileiro). Ele é muito tranquilo, gentil, do meu jeito assim: dou um boi para não entrar numa briga, mas, quando entro, dou dois para não sair.
Alô, táxi!
Em maio do ano passado, quando Pretinho levava os jogadores para o São Januário, onde enfrentariam o Fluminense, pela terceira rodada do Campeonato Brasileiro, o ônibus pifou na Avenida Ayrton Senna, em Jacarepaguá. A solução? O elenco e comissão técnica seguiram para o estádio de táxi.
– Eles pegaram o táxi e eu fui atrás. Tiveram uns comentários, mais pelos adversários, mas todos aqui levaram numa boa. Ganhamos o jogo (3 a 2 para o Vasco). Foi até bom (risos), os caras já chegaram no clima do jogo. Mas isso acontece – lembra Pretinho.
Som na caixa, DJ
Aos 58 anos, Pretinho era motorista de um grupo de pagode antes de chegar ao Vasco, o Pique Novo. O gosto pelo estilo musical é uma das semelhanças entre o motorista e o elenco cruz-maltino. Ele exibe os inúmeros CDs de samba e pagode que guarda embaixo do assento do motorista, e revela que o ritmo predomina nos trajetos que realiza.
– Música é o que não falta. Eles gostam muito de pagode raiz. Samba e pagode eles adoram. Já tiveram jogadores, em outros momentos, que traziam instrumentos e faziam o pagode lá atrás. Hoje é mais o som que eu boto, internet, ficam muito no celular, com fone de ouvido.
Nem tudo é alegria
Notícias de ônibus dos clubes alvejados por vândalos são comuns, infelizmente. Pedradas e outros tipos de ataque acontecem quando o time não está bem, ou mesmo, organizados por “torcedores” ligados a clubes adversários. O vidro traseiro do busão cruz-maltino, por exemplo, estava trincado no dia da nossa visita.
– Ameaças são muitas. Se o time está bem, ok. Se está mal, todo mundo sofre, não importa quem. O clube está bem, eles beijam e abraçam o ônibus. O clube está mal, sai de perto. No sábado (19 de maio, antes do clássico contra o Flamengo), fui para o treino de manhã levar alguns atletas e, quando voltava de Vargem Pequena, três carros de torcedores adversários cercaram a gente. É preciso ter calma, paciência, não deixar o clima de fora interferir.
– O ônibus é patrimônio do Vasco, leva os jogadores aonde precisam ir. Não sou contra protestos, mas agressão e quebrar ônibus não é legal. Todos nós aqui trabalhamos para vencer, ninguém quer perder. Mas nem sempre ganhamos – afirma Pretinho.
Bronca da patroa
Pretinho pode não entrar em campo, mas, como bom torcedor e profissional responsável, veste a camisa do Vasco e está sempre com o elenco profissional, não importa o dia ou a hora. O motorista conta que começou a trabalhar no clube por insistência da esposa, que conseguiu, com um conhecido, um teste para o marido. Hoje, ela precisa lidar com a saudade do seu pretinho.
– Eu acompanho o futebol, folgo só quando eles folgam. Férias é só em dezembro, junto com eles. Dedicação é tudo. Já tive muitos problemas com minha esposa por causa disso, hoje ela entende mais. Mas a gente trabalha muito e gosto de chegar antes. Nunca atrasei. Não gosto de ser chamado atenção, cumpro com os compromissos. É bom antecipar situações para não ter problemas. É o que eu falo para a pretinha.
Dá uma força aí, Pretinho
Como torcedor cruz-maltino, Pretinho se contém e já se acostumou a encontrar seus ídolos no dia a dia. Mas, como convive com inúmeros torcedores fora do clube, ouve pedidos de todos os tipos, até por carona.
– Muita gente já pediu para vir com os jogadores escondidos no ônibus. Dizem: “Eu vou agachadinho, ninguém vai ver” (risos). Conheço muitos torcedores, aí pedem para eu conseguir autógrafos, camisa, ingresso. A gente não pode fazer muita coisa.
História, nossas histórias
Com 18 anos de clube, é normal que Pretinho tenha muitas histórias para contar. O motorista revela alguns casos e menciona jogadores dos quais lembra com carinho.
– Vários jogadores que passaram aqui são sensacionais, seres humanos incríveis. Felipe, Juninho, Tenorio… São jogadores, mas fora do campo são como a gente. A maioria é assim.
– Uma coisa que faço é sempre olhar o ônibus depois que os jogadores descem e antes de alguém entrar. Eles costumam esquecer coisas. Uma vez achei R$ 800 no banco em que o Montoya estava sentado (o jogador passou pelo Vasco entre 2013 e 2017, sendo emprestado a outros clubes no período). Pretinha, eu estava duro, sem dinheiro nenhum nessa época. Fui até o vestiário e devolvi a ele. O que é dos outros, é dos outros.
– Já aconteceram algumas coisas, situações. Uma vez, pegamos uma chuva muito forte na Linha Amarela e o limpador de para-brisa não funcionou. Fui só seguindo a sinalização do carro da polícia que nos escoltava… Também, a caminho do aeroporto, o freio começou a falhar. São situações que eu resolvo com calma e nunca falo com eles lá atrás para não levar desespero. Só conto depois.
– Às vezes não sabemos o tamanho da nossa responsabilidade, os valores que carregamos em um ônibus desse. Estamos com jogadores que são importantes para muitas pessoas. Deixo meus problemas em casa e faço o máximo para não haver nenhum risco.
O ônibus
O ônibus personalizado do Vasco é uma parceria com a Volkswagen iniciada em 2008. Em 2015, o veículo passou por reforma e ganhou novo layout, escolhido pelos torcedores via enquete disponibilizada no site oficial do clube. O busão tem 35 lugares, bancos de couro, o espaço entre as poltronas é maior do que o de um ônibus comum. Além disso, há uma poltrona maior, mais confortável, que praticamente vira uma cama, no último lugar, ao lado direito do veículo.
Globo Esporte