Centro Cultural Cândido José de Araújo fica disponível para aluguel
O Vasco da Gama não chegou a um acordo com o proprietário do Centro Cultural Cândido José de Araújo e local é colocado para alugar.
Inaugurado em novembro do ano passado através de uma mobilização de torcedores, o local de fundação do Vasco – transformado no Centro Cultural Candido José de Araújo – fechou as portas e corre o risco de deixar de ser um patrimônio para o vascaíno. O contrato de aluguel terminou no fim de fevereiro e, sem chegar a um acordo com a nova diretoria do clube, o proprietário do local já colocou uma placa de “aluga-se” no estabelecimento.
O museu vascaíno vinha sendo administrado por um grupo de cruzmaltinos que adquiriram o imóvel para tocar o projeto sim fins lucrativos individuais pouco antes da eleição do clube. A intenção era negociar com a futura presidência a transição para que o Vasco absorvesse o local como sede oficial e ele próprio gerisse o estabelecimento.
A vice-presidência de Responsibilidade e História, comandada por Horácio Júnior, havia manifestado o interesse de administrar o centro cultural em nome do Vasco e cerca de quatro visitas foram feitas no local, mas até o momento não houve um entendimento com o proprietário.
“Temos o interesse, mas não temos condição financeira nesse momento. Eu preciso viabilizar um projeto incentivado para o Candinho. O momento infelizmente não dá para o Vasco arcar com o aluguel”, declarou Horácio ao UOL Esporte.
Segundo apuração da reportagem, inicialmente o dono do imóvel propôs um aluguel de R$ 10 mil e, em seguida, baixou para R$ 7 mil. O clube ainda não decidiu se compra, aluga ou promove uma vaquinha para financiar o estabelecimento. Houve também uma insatisfação com o fato de, antes, o aluguel girar em torno de R$ 2,5 mil, algo que foi rebatido pelo proprietário.
“Houve uma falta de habilidade e a narrativa de que aumentei o aluguel. Não aumentei, o que houve foi um investimento muito grande, um aporte significativo para revitalizar, e eu também colaborei. Então foi combinado: vamos fazer um investimento e com isso vai aumentar o aluguel. Mas a conta é muito simples para saber quem está errado ou certo”, declarou o proprietário Afonso, para depois detalhar sua matemática:
“Um valor médio de mercado de imóvel construído vai de R$ 6 mil a R$ 8 mil metros quadrados. Levando-se em consideração a fase pandêmica, vamos colocar por R$ 6 mil. Ou seja, com 300 metros quadrados, o valor total é de R$ 1,8 milhão. Com 1%, seriam R$ 18 mil, mas levando-se em consideração a pandemia, o fato do Vasco ter caído para a Série B, jogamos para 0,5%, o que daria R$ 9 mil. Então eu fiz para ele por R$ 7 mil”.
Por conta da pandemia e ainda durante o período de aluguel, o Centro Cultural Candido José de Araújo teve de fechar as portas e os administradores atuais disponibilizaram um tour virtual ao internauta.
Tanto na visita presencial como online, o vascaíno tinha a chance de conhecer peças raras e trechos da história do Vasco em sua fundação.
Num ato simbólico e triste para os idealizadores do projeto, o proprietário colocou a placa de “aluga-se” onde antes havia uma com a frase: “aqui nasceu o Vasco”.
Erguido através de doações e voluntariedade
As obras no Centro Cultural Cândido José de Araújo foram realizadas graças a doações e trabalhos voluntários de vascaínos. Uma vaquinha online foi criada para ajudar no projeto.
Idealizadores do centro cultural também depositaram recursos próprios para que pudessem colocar de pé o objetivo.
Apesar da ajuda, o projeto ainda precisa de cerca de R$ 25 mil para que todos os detalhes elaborados em planta sejam feitos. A vaquinha segue disponível para contribuições (clique aqui)
Proprietário negociava com uma lotérica
O local, que estava desativado, ficou próximo de se tornar uma lotérica. O proprietário já tinha conversas neste sentido quando recebeu a proposta do grupo que fechou um aluguel de seis meses com opção de compra.
As mensalidades já foram pagas antecipadamente pelo grupo.
História confundiu local de fundação
Durante muito tempo, imaginou-se que o local de fundação do Vasco da Gama havia sido em outro lugar. Por conta da dificuldade de registros e documentos, acharam por décadas que a reunião que fundou o clube teria acontecido na sede da Sociedade Dramática Particular Filhos de Talma, importante reveladora de artistas amadores da época.
Um evento em 2011, com o presidente vascaíno da ocasião, Roberto Dinamite, aconteceu no local para celebrar o feito, inclusive.
Em 1958, houve também uma celebração pelos 60 anos da fundação, e até mesmo uma placa foi inaugurada na sede.
O verdadeiro local foi ser conhecido e revelado tempos depois com a ajuda do historiador vascaíno Henrique Hubner, que já fez parte do Centro de Memória do clube.
Quem foi Cândido José de Araújo?
Candinho, como era conhecido entre os vascaínos, foi eleito em 7 de agosto de 1904, quando o futebol ainda não havia sido instituído no Vasco. Foi com ele que o clube conquistou seus dois primeiros títulos no remo, esporte tradicional da época. O bicampeonato foi fundamental para que o Cruz-Maltino aumentasse seu prestígio no cenário nacional.
Um ano antes de sua posse, foi o homem responsável por captar o maior número de sócios para o clube, feito que o fez receber como honraria uma medalha por sua contribuição ao Vasco.
Cândido José de Araújo, que era de uma família que ascendeu, se tornou o oitavo presidente do clube apenas 16 anos depois da abolição da escravatura, quando a sociedade carregava um extremo racismo.
“Se relacionava bem com todos”
Historiador do Vasco e ex-diretor do Centro de Memória do clube, Henrique Hübner destacou a personalidade simpática de Candinho. Segundo ele, Cândido foi um presidente que se relacionava bem com todos.
“Era um sujeito afável, que se relacionava muito bem com todo mundo. Era educado, dava ouvido às pessoas… Era um sujeito legal. E esse jeito dele angariava, atraía, então, depois, quando entrou no Vasco, ele fez com que crescesse o quadro social, feito que o fez ganhar uma medalha do clube que correspondia à primeira colocação na quantidade de novos sócios indicados.”
Antes de ser presidente, Candinho se tornou o primeiro tesoureiro da história do clube, em 1903.
Escrevente na Central do Brasil
No lado profissional, Candinho era escrevente. Por muito tempo, fez carreira na Central do Brasil, no Rio de Janeiro.
“Candinho era da Central do Brasil. Era um escrevente na época. Se aposentou como chefe de sessão, por volta de 1930, no setor de pensões da Central”, destacou Hübner.
Além de escrevente, Cândido chegou a ser coronel da antiga Guarda Nacional, espécie de “força paralela” constituída por civis em defesa da pátria.
53% dos votos
A escolha pelo nome de Centro Cultural Cândido José de Araújo foi expressiva. Ao todo, 53,2% dos 2.786 votos optaram pelo ex-presidente. Em segundo ficou o Centro Cultural Vasco da Gama (26,9%), em terceiro, Sede de Fundação CRVG (10,4%), e em quarto, Casa 21 de agosto.
A sede
A sede fica no Centro do Rio de Janeiro, na região da Gamboa, e serviu de local para a reunião da fundação do Club de Regatas Vasco da Gama, dia 21 de agosto de 1898.
Originalmente, ela se situava na Rua da Saúde, nº 293, mas com as mudanças na cidade, o endereço atual é Rua Sacadura Cabral, nº 345.
“Pequena África”
O bairro da Gamboa, em que está a casa onde o Vasco nasceu, faz parte de uma localidade no Rio de Janeiro que ficou conhecida como Pequena África, que compreende ainda os bairros da Saúde, Santo Cristo e a zona portuária. Fica próxima ao Centro da cidade.
O nome de Pequena África foi dado pelo compositor Heitor dos Prazeres no começo do século 20 e já apareceu em algumas publicações, assim como músicas e enredos de Escola de Samba.
A região tem pontos como o Morro da Conceição, a Pedra do Sal, o Largo de São Francisco da Prainha, Cemitério dos Pretos Novos, o Jardim Suspenso do Valongo, e o Cais do Valongo, declarado Patrimônio da Humanidade em 2017, pelo Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
A localidade tem grande importância na história da cultura afro-brasileira. Inaugurado em 1811, o cais foi o principal ponto de desembarque de escravos africanos nas três Américas. Naquela área, que ainda não era urbanizada, eram feitos o trânsito e o comércio de escravos.
Após a proibição do comércio de escravos no Brasil, escravos libertos passaram a trabalhar na região. Na virada do século 19 para o século 20, negros de diversas partes do país foram para a região em busca de trabalho e acolhimento.
Atualmente, há roteiros de visita pelos diversos pontos da Pequena África. Apesar da revitalização de alguns lugares, muitos locais importantes ainda sofrem com os recursos escassos.
Fonte: Uol