Bisneto de Barbosa quer ser goleiro, mas família proíbe

Com luvas nas mãos, Rafael Oruan, de 13 anos, sonha em ocupar os gols tantas vezes defendidos por seu bisavô Barbosa.

Com apenas 13 anos, Rafael Oruan segue uma tendência quase universal em meninos e alimenta o sonho de ser jogador de futebol. Não bastasse o desejo natural típico dos jovens desta idade, o bisneto do ex-goleiro Barbosa carrega no DNA um motivo a mais alimentar tal esperança.

Herdeiro daquele apontado como eterno vilão da derrota por 2 a 1 da seleção brasileira na final da Copa de 1950, o pequeno não pensa duas vezes do lugar que pensa em ocupar no campo. Com luvas nas mãos, Rafael sonha em ocupar os gols tantas vezes defendidos por seu bisavô. Como em qualquer criança, sobram vontade e esperança. Mas falta algo fundamental: o apoio da família. Pelo menos quando a camisa 1 e o sonho de defender as metas estão envolvidos.

“Pelo amor de Deus, fico nervosa só de pensar. Isso seria o fim. Ele está proibido de ser goleiro”, decretou a avó, Tereza Borba, filha de criação do goleiro que brilhou no Vasco e teve passagem manchada pela seleção brasileira após sofrer o fatídico gol de Ghiggia em 16 de julho de 1950.

“Eu não quero mais sofrimento para a vida da nossa família. Meu pai já pagou muita coisa injusta por um erro que ganhou proporções inimagináveis. Ele foi julgado e tratado de uma forma terrível. Não quero o Rafael carregando esse fardo. Aonde ele chegar, vão querer comparar e falar. A cobrança será desproporcional. Ele tem luva, adora goleiros, mas precisa nos entender. Só estamos pensando no bem dele”, completou Tereza.

E a luta contra a vontade da família não será a única travada por Rafael. Por conta das dificuldades financeiras em casa, o garoto deixou a escolinha de futebol que frequentava e vê que a realidade está cada vez distante do sonho.

“Se ele pudesse, jogava bola todo dia. Mas a grana apertou, estávamos sem dinheiro para pagar o lugar que ele jogava. Agora, só quando vai à praia. E não é sempre. Além disso, essa tecnologia nos atrapalha. As crianças só querem saber de videogame e computador, não tem mais aquele futebol na rua como antigamente”, contou a avó do menino. “E quando ele voltar a treinar, será de meia ou atacante. Pode ser o camisa 10, 7, 9. Só não pode ser 1”, emendou Tereza Borba.

Presente para o Vasco
Tais dificuldades não impedem apenas os sonhos de uma criança. Em Praia Grande, litoral de São Paulo e terra onde Barbosa passou boa parte de sua vida antes de morrer em 2000, a filha do ex-goleiro se vira como pode para conseguir quitar uma dívida adquirida pela vontade de homenagear o pai.

“Por todo o sofrimento que vi ele passar, sempre tive vontade de homenageá-lo de uma maneira justa, coisa que as pessoas não fizeram. Entrei em contato com o escultor Laércio Alves e pedi para que ele fizesse uma estátua. Sempre tive esse sonho. Ela está lá, pronta, linda, mas eu ainda não consegui pagar o artista”, revelou Tereza, que vende réplicas de camisas usadas pelo pai e bonecos ventríloquos inspirados no ex-goleiro a R$ 150 para levantar a grana.

E ela já sabe o que fazer quando conseguir pagar os mais de R$ 10 mil da escultura. “Assim que quitar, quero pegar ela do lugar que fica em Praia Grande e doar para o Vasco. É um presente meu. Queria que ele fosse lembrado para sempre como merece. Sei que lá no clube ele é valorizado”, disse, apostando na boa relação que tem com Eurico Miranda, que voltou ao comando do Cruzmaltino.

“Muita gente fala mal dele, mas não conseguem a pessoa boa que é o doutor Eurico. Quando a Clotilde [esposa de Barbosa] ficou doente [1991], meu pai perdeu tudo com o tratamento dela. Foi o Eurico que apareceu e falou: ‘pode deixar que vamos resolver tudo’. E assim fez. Sempre ajudou meu pai com o que precisava”.

Carinho após o ‘7 a 1’
O eterno dirigente do Vasco endossava o coro que questionava o tratamento dado à Barbosa e sua família por conta do episódio de 1950. Tratamento este, aliás, modificado com o passar do tempo, principalmente após a derrota por 7 a 1 da seleção de 2014 para a Alemanha, na Copa do Mundo.

“Foi uma mistura de sentimentos. Senti meu pai vingado. Pararam de tratá-lo como único vilão do futebol brasileiro. Mas também fiquei muito mal com aquela derrota. Até hoje passo mal quando vejo algum lance. Nunca consegui ver todos os sete gols. Sentia que podia ser uma vingança melhor. Se o Brasil vencesse, ofereceriam o título a ele. Mas não posso reclamar.

Nos últimos meses, as pessoas passaram a ser mais justas. Sempre que passo pelas cidades com exposições do meu pai, todos falam que aquilo foi uma injustiça. Reconhecem que hoje a situação está pior. É um conforto, um carinho que estamos recebendo. É uma correção histórica. Pararam de achar que o problema do Brasil era o Barbosa”, contou a filha.

Com a cicatriz cada vez menor, a herdeira do ex-goleiro só quer saber de futebol quando o assunto é preservar a memória de seu pai. Dentro de campo, nada de lembranças ou sonhos da família para repetir a trajetória de Barbosa.

“O Rafael pode até vir a jogar, brincar, mas eu preferia ele longe de tudo mesmo. O futebol no Brasil acabou. É muita sujeira, muito interesse podre. Tem problema na CBF, nas federações, nos clubes. Tá difícil demais. Isso sem falar na violência das torcidas. Viu esse Palmeiras x Corinthians no domingo [08/02]? Que coisa horrível. Como posso pensar em meus filhos e netos nos estádios assim? Só quero distância. E ainda achavam que o Barbosa era o problema…”, encerrou Tereza Borba.

Uol

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