Hoje faz dez anos da morte do ex-Vasco Vavá

Vavá era um apaixonado por futebol que não realizou o sonho de treinar o Vasco da Gama.

Dois cruzamentos de Garrincha pela direita, seguidos por dois toques certeiros, típicos de centroavante. Era 29 de junho de 1958 em Estocolmo. O Brasil, até aqueles dois encontros entre a bola e as chuteiras, não era um país campeão mundial de futebol. Ainda tinha a síndrome de vira-latas, na definição resistente a décadas de Nelson Rodrigues. Mas existiu Vavá. Os gols dele transformaram a derrota momentânea de 1 a 0 para a Suécia em vitória parcial por 2 a 1 – que depois viraria goleada final por 5 a 2. O Brasil foi campeão do mundo. E depois repetiria a façanha no Chile, novamente com Vavá, novamente com gol de um mito cuja morte completa dez anos nesta quinta-feira.

Vavá morreu em um sábado. Teve parada cardíaca. Contabilizava 67 anos de conquistas que estão tatuadas na pele do futebol brasileiro, de experiências mundo afora, mas também de dores, de decepções. Deixou esposa e quatro filhos. E se eternizou como um ícone raro na história da bola.

Foram nove gols em Mundiais. E quase todos fundamentais. Aos dois da final de 1958, ele somou outro na decisão de 1962, contra a Tchecoslováquia. Deixou mais três em semifinais: um nos 5 a 2 sobre a França, em 58, e outros dois nos 4 a 2 contra o Chile, quatro anos depois. Em tempos de Pelé e Garrincha, foi decisivo.

Mas também teve frustrações. A saúde ficou debilitada nos últimos anos de vida. E Vavá lidou com a decepção de não ter alcançado como treinador o mesmo sucesso que teve como jogador. Seu maior sonho era comandar o Vasco. Jamais aconteceu.

Passados dez anos de sua morte, Vavá é lembrado com carinho pelas pessoas próximas dele. A família do jogador, porém, amarga uma longa espera: pela aposentadoria aos campeões do mundo, prometida pelo governo federal.

Paixão pelo futebol, pelo Vasco e pela Seleção

Vavá não teve o futebol apenas como profissão. Foi paixão. Até os últimos dias de vida, o “Peito de Aço” não tirava os olhos de uma bola. Nas caminhadas diárias, depois prejudicadas por um AVC (acidente vascular cerebral), se ele via a imagem de alguma partida em um televisor de bar, parava para ver. Gostava de falar sobre o esporte o tempo todo. E gostava de lembrar de tudo aquilo que experimentou. Com comoção.

– Futebol foi até a hora de ele morrer. Ele ficava nos bares vendo os jogos, tomando um vinho espanhol. Ele adorava. Só falava nisso. Também falava dos gols que tinha feito, de como era tratado, das concentrações, dos treinadores. Ele tinha muito orgulho de tudo que aconteceu. Lágrimas vinham nos olhos quando ele falava sobre as Copas. Ele jogou com o coração – recorda Miriam Malizia Izídio Neto, a viúva do ex-goleador.

Dos clubes que defendeu, foi o Vasco que mais mexeu com Vavá. Ele deixou Pernambuco no final dos anos 50, ainda adolescente, para tentar a sorte no Rio de Janeiro. Virou torcedor cruzmaltino. Ficou no clube até pouco depois da Copa de 1958. Foi tricampeão estadual.

Como jogador, Vavá também defendeu os pernambucanos América, Íbis e Sport, o Palmeiras, o Atlético de Madri e o Elche, da Espanha, o América e o Toros Naza, ambos do México, e o San Diego Toros, dos Estados Unidos, antes de encerrar a carreira na Portuguesa carioca. Também foi marcante no clube paulista, onde ganhou o Estadual de 1963. Criou carinho pela camisa alviverde – mas não com a mesma intensidade do Vasco.

O amor pelo clube de São Januário era dividido com forte reverência à Seleção Brasileira. Depois de encerrar a carreira de atleta, Vavá virou treinador. Foi auxiliar de Telê Santana. Comandou a equipe de juniores do Brasil no Mundial de 1981. Aquela equipe tinha Mauro Galvão, que resgata os recados dele.

– Ele nos passava a importância de ter postura de jogador de Seleção. Não era de ficar falando para nós sobre o que ganhou, mas falava da importância de defender a Seleção, de aproveitar essa oportunidade. Foi muito importante para mim – comentou o ex-zagueiro.

Não treinar o Vasco é a maior dor

A experiência como treinador não foi tão produtiva quanto a de jogador para Vavá. E reservou ao bicampeão mundial sua maior decepção. Depois de comandar equipes fora do país, o que ele queria mesmo era treinar o Vasco. Mas jamais foi convidado. Lidou com a mágoa até o final da vida.

– Ele também teve muita decepção no futebol. O sonho dele era treinar o Vasco. O problema é que ele era muito orgulhoso. Você veja: no Cordoba, da Espanha, o presidente me disse que ele foi o melhor treinador que o clube já teve. Mas com o Vasco isso nunca aconteceu – lamentou Miriam, a viúva de Vavá.

Evaristo de Macedo, ex-craque de Real Madrid e Barcelona, ex-treinador, conviveu muito com Vavá. Foram amigos próximos. Ele viu o desenvolvimento da carreira do “Peito de Aço” primeiro como jogador e depois como treinador. E referenda o que diz a viúva do bicampeão. A casamata do Vasco foi uma lacuna que Vavá não preencheu.

– Nos últimos anos de vida, ele estava incomodado com isso. Ele não estava satisfeito, porque não teve uma grande oportunidade como treinador. Sentia falta disso. E como ele era vascaíno, muito vascaíno, o sonho dele era esse. Ele queria treinar o Vasco. Foi criado lá dentro – observou Evaristo.

Como jogador, Vavá foi um atacante oportunista, um atleta de entrega absoluta – para compensar o fato de não ter o brilho técnico de outros craques da época. Ele chegou a jogar com o pé quebrado. Mais de uma vez, deixou o gramado com as chuteiras rasgadas. Como treinador, foi um profissional responsável, trabalhador, mas distante dos comandados.

Camisa de 58 é leiloada, e família espera aposentadoria

Depois da morte de Vavá, a família descobriu que havia dívidas a serem quitadas. Ele havia alugado imóveis a locatários que não se preocuparam com pagamentos de taxas – especialmente IPTU. No desespero, o jeito foi vender a camisa usada pelo centroavante na Copa de 1958. A peça foi oferecida primeiro à CBF, mas acabou leiloada em Londres. E quem comprou foi justamente a entidade que comanda o futebol brasileiro, representada na capital inglesa pelo técnico Carlos Alberto Parreira.

A CBF investiu R$ 80 mil na compra da camiseta. Retiradas taxas e impostos, a família recebeu pouco mais de R$ 40 mil. E ficou na bronca com a situação.

– Ela era valiosa. Foi leiloada, e eu ganhei um dinheiro. O Ricardo Teixeira mandou o Parreira fazer o lance. Eu fiquei com raiva. Disse que era uma covardia. Se a CBF tivesse comprado de mim, eu ganharia mais – afirmou Miriam.

A família aguarda a aprovação da aposentadoria aos atletas (ou parentes deles) campeões mundiais. Seria um alívio financeiro: R$ 100 mil mais um valor mensal, que pode chegar a R$ 3,4 mil.

No caso de Vavá, a viúva não passa por dificuldades. Mora em um apartamento bom, mas sem luxos. Vive do dinheiro recebido do aluguel dos imóveis comprados pelo ex-jogador. Com ele, banca um plano de saúde caro – o que permitiu a recente cura de um câncer. Miriam diz que a aposentadoria serviria como segurança. Ela tem 70 anos.

Relíquias

Se a camisa de 58 foi leiloada, restam outras relíquias em posse da família. Entre elas, está o par de peças que determinou um novo rumo para o futebol brasileiro. As chuteiras que viraram a final contra a Suécia repousam na casa de Miriam. Mais de 50 anos depois de marcarem os dois gols em Estocolmo, seguem com marcas do barro que pisotearam para transformar o Brasil em campeão mundial.

A família ainda guarda com carinho uma camisa do Vasco, número 9, dos anos 50, e uma do Palmeiras, número 8, dos anos 60. Elas também têm manchas. Afinal, pertenceram a um jogador que não se contentava em atuar de pé.

– O Vavá suava a camisa. Ele rasgava a camisa. Ele rasgava a chuteira. Ele jogava por amor – lembra Miriam, com a convicção tirada de mais de 40 anos de casamento e com as lembranças alimentadas pelos dez anos de ausência do bicampeão mundial.

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