Psiquiatra do Vasco será o 1º do Brasil em Jogos Olímpicos
Profissional do Núcleo de Saúde Mental do Vasco da Gama, Helio Fádel será o 1º psiquiatra brasileiro a participar das Olimpíadas.
A saúde mental é um dos pilares para a qualidade de vida e tem ganhado cada vez mais atenção no esporte de alto rendimento. E os Jogos Olímpicos de Paris 2024 serão um marco sobre este tema no Brasil. A delegação brasileira contará com um psiquiatra nas Olimpíadas pela primeira vez na história.
Mineiro de Juiz de Fora, Helio Fádel fará parte de uma equipe formada por mais cinco psicólogos e que dará suporte aos atletas brasileiros durante as Olimpíadas. Atual coordenador do Núcleo de Saúde Mental do Vasco e com serviços prestados a atletas do Flamengo no passado, o profissional reforça o trabalho multidisciplinar do Time Brasil em busca de medalhas em Paris.
“O esporte sempre pediu por um cuidado maior. E é difícil, porque ainda há um estigma de que a psiquiatria está relacionada apenas a casos de doença grave” – Helio Fádel, psiquiatra.
Médico há 11 anos, Helio Fádel se especializou em psiquiatria em 2018. Em meio aos estudos, o profissional da saúde se dedicou a um processo de construção da importância do trabalho conjunto entre psicólogos e psiquiatras no esporte, assim como acontece com a população em geral
Segundo ele, o trabalho interdisciplinar no esporte de alto rendimento, principalmente em momentos agudos como o auge do ciclo olímpico, é um caminho sem volta.
– Quando pensamos em toda a magnitude que envolve representar o Brasil na maior competição que são as Olimpíadas, e o que isso acarreta de pressão e responsabilidade, tudo isso pode gerar um sofrimento mental, seja dentro do espectro da ansiedade ou da depressão, uso de substâncias. O atleta fica muito regrado e tem as suas abdicações diárias o tempo todo. Cabe a nós, profissionais da saúde mental, neste acompanhamento, ajudar para que ele possa entregar o melhor como resultado e que também tenha qualidade de vida.
“Tenta-se atuar através da psicologia, clínica geral, neurologia, cardiologia, para no fim procurar o psiquiatra. O Comitê Olímpico Brasileiro traz essa sensibilidade de que você não precisa esperar o problema acontecer para ter um psiquiatra envolvido. Quanto mais cedo a abordagem, melhor o prognóstico para este atleta”.
A medida de inserir um profissional da psiquiatria e os cuidados com a saúde mental dos atletas tomados pelo COB foram vistos de maneira positiva pelo Comitê Olímpico Internacional, segundo Fádel. O médico explica que essa preocupação do COI com o bem-estar dos atletas tem a ver com a forte exigência que o alto rendimento pede em busca da glória olímpica.
Fádel disse ainda que, apesar da evolução científica e do interesse crescente dos clubes e entidades esportivas em relação ao emocional dos atletas, ainda há muito preconceito, falta de conhecimento sobre a importância da prevenção e de entendimento de como a vida de quem pratica modalidades em alto nível pode ser estressante.
“A vida no alto rendimento não é como as pessoas pensam. Não é saudável, é diferente de uma prática do esporte recreativo, onde você não tem pressão. É um fato estressor que pode promover ou potencializar quadros de saúde mental. A gente está falando de ansiedade, de depressão de insônia, transtornos alimentares, entre outros”.
O grupo de preparação mental do COB tem 17 profissionais ao todo. Sete destes integrantes deste departamento irão para Paris. Além de Hélio Fádel, o coordenador Eduardo Cillo e as psicólogas Aline Wolff, Carla Di Pierro, Carla Ide e Marisa Markunas vão dar suporte à delegação brasileira. Eduardo afirma que o alinhamento entre os profissionais é essencial para que o haja sucesso na abordagem com os pacientes.
– Nós temos conseguido ir além do trabalho multidisciplinar e feito o trabalho interdisciplinar. Todo caso que exige uma atenção acaba sendo tratada tanto pelo psicólogo, quanto pelo psiquiatra. Nessa parceria se discutem detalhes dos cuidados, do atendimento e os limites onde a psiquiatria e a psicologia coexistem. Para que este trabalho aconteça de forma efetiva em benefício do atleta é preciso alinhar a forma em que os dois trabalham. Precisam falar a mesma língua.
Futebol: um longo caminho a percorrer
Helio Fádel teve outras experiências com tratamento psiquiátrico antes de chegar ao Comitê Olímpico Brasileiro. Atualmente, ele coordena o Núcleo de Saúde Mental do Vasco, que repassa as informações necessárias ao Departamento de Saúde e Performance do clube carioca.
Antes de chegar ao Cruz-Maltino, Fádel colaborou com o departamento de futebol do Tupi, clube campeão da Série D do Brasileirão e que hoje está sem divisão nacional e na terceira divisão em Minas Gerais.
Além disso, o psiquiatra prestou serviços ao Flamengo em meados de 2020, quando Jorge Jesus era o treinador. Na época, o clube encaminhava atletas para acompanhamento com Fádel. O profissional foi integrante da rede de apoio para Michael.
O jogador falou publicamente sobre os problemas emocionais que enfrentou na época do Rubro-Negro. Posteriormente, no início de 2023, o atacante do Al-Hilal levou Fádel para a Arábia Saudita para dar sequência ao trabalho psiquiátrico.
Apesar destas experiências com a modalidade, Helio Fádel afirma que as características inerentes ao futebol fazem com que este universo seja mais complexo de ser explorado quando o assunto é saúde mental. Segundo ele, o esporte olímpico está à frente neste quesito.
– Eu não vejo a mesma progressão em termos de velocidade dos cuidados com a saúde mental no futebol. É muito difícil para os profissionais conseguirem ter acesso a todos os clubes, porque vai da forma que a agremiação entende como o trabalho é ou não bem executado. Há algumas crenças de que o atleta pode não se sentir à vontade em falar tudo para o terapeuta porque isso supostamente ser repassado para a comissão técnica e se voltar contra ele.
“Ao meu ver, a Psiquiatria do Esporte e a Psicologia o Esporte in loco ajudam a encurtar caminhos na abordagem, porque o atleta terá uma relação de confiança com o profissional que está ali. Não é uma realidade de todos os clubes e seria o modelo mais assertivo de ter um departamento de saúde mental nos clubes”.
Helio Fádel explica que a opção de confederações e clubes, de uma forma geral, por não montarem um departamento multidisciplinar, com a escolha de fazerem o encaminhamento aos psicólogos e psiquiatras de forma individualizada, é um caminho alternativo, mas menos eficaz. De acordo com ele, nada substituiu o trabalho diário feito, por exemplo, no COB.
– Nós fomos enaltecidos pelo COI como um dos comitês que mais fala sobre saúde mental no mundo. Somos referência. Isso se dá pelo trabalho diário que envolve a psicologia, a psiquiatria de uma maneira preventiva e mantenedora destes cuidados. Entendemos que cuidamos da saúde mental todos os dias. Não é algo verticalizado, requer um acompanhamento.
O psiquiatra e a ansiedade
Quem é que disse que profissionais da saúde mental não precisam lidar com problemas semelhantes aos relatados pelos pacientes no consultório? Às vésperas dos Jogos Olímpicos, Helio Fádel tenta driblar os sentimentos que tanto acompanha junto aos atletas em tratamento.
Fã de futebol, o psiquiatra afirma que, fora do horário de trabalho, pretende fazer valer o poder da credencial e assistir ao máximo de eventos possíveis na França
– Estou bem ansioso para falar a verdade, é inevitável. Em uma situação destas, a questão não é se você vai ter ou não ansiedade, mas como você vai dialogar com este sentimento e essas emoções. Eu traço um paralelo com a vida do próprio atleta. Eles se preparam em um ciclo para entregarem o melhor deles, para terem um melhor rendimento, o melhor resultado. Isso tudo gera uma expectativa e deflagra a ansiedade. A gente, que está com eles no dia a dia, cria esta conexão de propósito, de conhecimento.
“A gente sabe das dores, dos anseios, das abdicações dos atletas. O sonho deles passa a ser o sonho nosso”.
A realização profissional também tem o próprio peso neste momento. Apesar de entender a importância do feito na carreira e de celebrar o crescimento da psiquiatria no esporte, Fádel afirma que prefere ter os pés no chão e trabalhar para ajudar os atletas brasileiros a terem as melhores condições possíveis para buscarem bons resultados.
– É um misto de sentimentos, em que a gente pode incluir realização profissional, um pertencimento e também responsabilidade por ser o primeiro psiquiatra a compor a delegação do Time Brasil – finalizou.
Fonte: Globo Esporte