Vitor comenta passagem pelo Vasco e erro no Mundial de 1998

O lateral-direito Vitor relembra conquista da Libertadores 1998 pelo Vasco da Gama, mas lamenta erro no Mundial, que tirou a chance de título.

Vitor foi campeão pelo Vasco na Libertadores de 1998
Vitor foi campeão pelo Vasco na Libertadores de 1998 (Foto: Reprodução)

No dia 26 de agosto de 1998, quando o árbitro apitou o fim do jogo em Guayaquil, aos 53 minutos do segundo tempo, o Vasco se sagrou campeão da Libertadores – até hoje o título mais importante da história do clube. A vitória por 2 a 1 sobre o Barcelona fazia um jogador daquele elenco conhecer pela terceira vez o sabor de conquistar a taça mais requisitada da América do Sul.

Até hoje único jogador brasileiro que conquistou a Copa Libertadores por três clubes diferentes, Vitor já havia vencido a competição por São Paulo e Cruzeiro quando chegou ao Vasco há 26 anos. Três meses depois, no entanto, o lateral-direito ficou marcado por um erro no principal título disputado pelo clube, o Mundial. O drible de Raúl em cima dele culminou na virada do Real Madrid, aos 38 minutos do segundo tempo, o que garantiu o título aos espanhóis.

Nas últimas duas décadas e meia, o lance perturbou Vitor, que gostaria de ter dado ao torcedor do Vasco o maior título que um clube pode conquistar e que ele próprio já havia alcançado em 1992, com o São Paulo vencendo o Barcelona no Japão.

O ge o encontrou por causa de uma entrevista com Antônio Lopes, o treinador do Vasco em 1998, que foi publicada em agosto. Na ocasião, o Delegado escalou o lateral-direito na seleção com os 11 melhores jogadores com quem ele trabalhou no clube. O vídeo foi compartilhado por Vitor nas suas redes sociais e serviu como redenção.

– Quando eu vi essa entrevista dele me renovou. É como se eu estivesse andando com o carro na reserva e alguém enchesse meu tanque. Renovou a minha mente. Me culpo pelo erro, mas ele me renova neste momento da minha vida – disse Vitor ao ge.

Em uma entrevista de mais de duas horas de duração, o lateral-direito, que vive em Mogi Guaçu, no interior de São Paulo, passou por momentos-chave da vitoriosa carreira. Além dos três títulos da Libertadores e da conquista do Mundial, Claudemir Vitor Marques foi campeão brasileiro (São Paulo) e bicampeão da Copa do Brasil (Corinthians e Cruzeiro).

A boa-nova do segurança e o convívio com Telê Santana

De origem humilde no interior paulista, onde compartilhou a infância com seis irmãos, Vitor trabalhava na roça para poder bancar o sonho de jogar bola. Após passar pelas categorias de base do Guarani e da Ponte Preta, o lateral chegou ao São Paulo em 1988. Três anos depois, ele recebeu do segurança que acompanhava os meninos da base a boa-nova da promoção.

– No último ano de base tive a chance de disputar a Copa São Paulo, que é quando o treinador vê se a gente tem condições de atuar no profissional. No jogo contra o Grêmio, na semifinal, o Telê estava. A gente não passou. Eu estava jogando muito bem, indo pra cima, fazendo ultrapassagem, dando drible da vaca… Ficamos muito tristes por não passar para a final, e eu lembro que o segurança que dava suporte pra gente, o nome era Julião, tinha ouvido que eu ia subir para o profissional. Ele chegou para mim e disse: “Por que está triste? Levanta a cabeça que eu ouvi que segunda-feira é para você se apresentar no profissional”. E realmente foi o que aconteceu – recordou.

– O ensinamento do Telê era pra gente levar as coisas com seriedade, ele foi uma escola pra mim. Telê é paizão. As coisas que ele falava eram verdade. Na época, a gente jovem achava que ele estava sendo chato. O Moraci, preparador físico, falava que se o Telê cobrava era porque ele gostava da gente. Eu sentia que ele me cobrava muito por eu ser mais novo também. Ele me adorava nos treinos. Pegava muito no pé da gente para fazer bem os cruzamentos. O Telê me fez jogador – completou Vitor.

A parceria com Cafu para ganhar o “bicho”

Vitor é três anos mais novo do que Cafu, também revelado pelo São Paulo e uma referência na posição. Os dois conviveram no clube no início dos anos 1990. Com Vitor performando bem, Telê Santana abriu espaço no time e deslocou Cafu para a meia direita. Mas o pentacampeão mundial com a seleção brasileira em 2002 não se incomodou. Pelo contrário, ajudou o novato a se firmar.

– Esse cara para mim foi unânime. Era diferenciado e determinado. Nunca reclamava de nada, não discutia nem faltava com respeito com ninguém. Eu ficava no banco e estava buscando meu crescimento. Se você entrava no jogo, fosse titular ou fosse para a Seleção, por exemplo, valorizava. Eu estava fazendo a casinha da minha mãe, lembro que o Telê falava “não compra carro porque depois vão ter que morar dentro do carro”, por causa da experiência dele de ver jogadores que não tinham guardado dinheiro. Eu falava com os pedreiros, que passavam os custos de tudo e eu calculava que o bicho ia me ajudar – afirmou o ex-jogador, que continuou:

– Quem jogava pegava o bicho integral e, se você não entrasse, você não ganhava. Eu falava: “Cafu, eu tenho que entrar nesse jogo”. Se a gente estivesse ganhando bem, faltando pouco para o jogo acabar, ele simulava uma contusão e eu entrava. Mas não era só para ganhar o bicho, eu observava os jogadores adversários, via se o lateral tinha virilha colada, eu aproveitava esses poucos minutos para ir pra cima. Eu fazia as jogadas, os cruzamentos, e os torcedores iam à loucura. O pessoal brincava para o Cafu não me dar brecha na lateral, mas ninguém sabia esse nosso combinado. Ele me ajudava muito. Eu sou fã dele, minha carreira começou com ele.

– O Telê empurrou ele para a ponta direita, porque não me via fora desse time. Eu unia força, velocidade e impulsão. Tinha facilidade de chegar à linha de fundo e, se cruzasse mal, o Telê queria engolir a gente, dava para ouvir ele gritando lá do banco: “Não é possível, a gente treina a semana toda”. Ir ao fundo e cruzar atrás do gol fazia o Telê levantar do banco: “Não existe isso”.

A lesão no Mundial do Vasco

Depois de conquistar a Libertadores com duas vitórias em cima do Barcelona de Guayaquil, o Vasco disputou o título do Mundial Interclubes contra o Real Madrid, em Tóquio, no dia 1º de dezembro de 1998. Os espanhóis abriram o placar com Nasa marcando contra, aos 25 minutos do primeiro tempo. Na segunda etapa, Juninho Pernambucano empatou aos 11. O lance que até hoje os vascaínos não perdoam aconteceu aos 38.

Vitor substituiu Vágner aos 36 minutos do segundo tempo. Dois minutos depois, Seedorf fez lindo lançamento para Raúl. O lateral do Vasco chegou para dar um carrinho, mas foi driblado pelo atacante. O espanhol passou em seguida por Odivan antes de concluir para o gol defendido por Carlos Germano. A vitória por 2 a 1 deu o título aos merengues.

A frustração dos vascaínos é compartilhada por Vitor, que acredita que não deveria ter jogado aquela partida. O lateral-direito não entrava em campo desde o dia 10 de outubro, quando sofreu uma lesão em partida contra o Santos, pelo Campeonato Brasileiro. Ele torceu o joelho esquerdo e precisou ser substituído por Maricá no segundo tempo. Ficou surpreso quando foi relacionado para a viagem ao Japão e ainda remói o fato de não ter feito um exame mais elaborado.

– Fiquei muito abatido no Vasco, porque o erro foi em cima de mim. Faz parte, mas claro que a gente não gostaria de errar. Me sinto triste por causa do torcedor. Peço desculpas, porque sei o quanto eles se dedicam ao time. Eu fico triste de não ter tido essa sorte, de poder trazer alegria para eles. Reconheço. Não tenho o que falar do torcedor do Vasco. No fim do Brasileiro, eu machuquei no jogo contra o Santos e não joguei mais o campeonato. O Juninho Pernambucano também machucou e rapidamente foi fazer uma ressonância. Perguntei para o doutor Clóvis se eu poderia fazer também, porque eu estava sentindo meu joelho ainda. Ele disse que eu não precisava.

– Eu estava emprestado ao Vasco, meu passe era do Cruzeiro. Eu não estava treinando nada, só recuperando e decidiram que todos iam para o Mundial. O único machucado mais grave ali era eu, tanto que a gente ficou lá uma semana e eu não treinei, só fiquei recuperando. Fui para o apronto, que era o último treino, de dois toques, e depois fui para o jogo. Coisa que não aconteceu no São Paulo nem no Cruzeiro. Se fosse hoje iam falar que eu não poderia nem ir para o banco. Nessa época meu ligamento cruzado estava rompido, por isso ele ficou com medo de fazer a ressonância. Como eu estava fortalecendo, eu não senti dor.

– Quando eu voltei, fui fazer um trabalho com o Nivaldo Baldo (fisioterapeuta) em Campinas e fiz a ressonância. Eu estava com o ligamento cruzado rompido. Fiz uma cirurgia. Olha o que ocasionou? Se eu tivesse feito a ressonância mudava totalmente a minha história. Isso não é desculpa, é fato. Eu não poderia ter jogado, mas eu não podia falar que não ia para o jogo, porque eu fiquei tratando lá. Eu fico triste por isso. Não por mim, mas pelos torcedores, porque não merecem isso. Quem joga está sujeito a erros.

– Vejo o Lopes hoje como um paizão também. Era duro com a gente, mas era honesto. Um cara de caráter. Por ser delegado, ele era rígido. E ele sabia quem estava de “sacanagem” com ele. Tinha uma maneira espontânea de chamar os jogadores. O Antônio Lopes é uma pessoa que quando eu vi essa entrevista dele me renovou. É como se eu estivesse andando com o carro na reserva e alguém enchesse meu tanque. Renovou a minha mente. Me culpo pelo erro, mas ele me renova neste momento da minha vida. O Eurico para mim foi um dos melhores dirigentes com quem trabalhei, de ser sincero. Não tinha como enganá-lo, ele sabia quem poderia vestir a camisa do Vasco. O Eurico era fora da casinha, muito engraçado, muito espontâneo – lembrou o ex-lateral.

A queda da arquibancada

Em 1995, quando atuava pelo Corinthians, Vitor vivenciou uma cena de terror no Estádio Joaquim de Moraes Filho, em Taubaté, interior de São Paulo. Depois de bater o Vitória por 3 a 0, o lateral jogou sua camisa para a torcida. Foi quando o muro de proteção rompeu, e várias pessoas caíram. O jogador então pulou no fosso para ajudar quem havia se machucado. Ninguém se feriu gravemente.

– Eu estava muito bem, sentia o torcedor aplaudindo, gritando meu nome. Fui lá jogar a camisa para eles, e a cena é forte. Quando joguei foi automático. A estrutura não era reforçada, veio todo mundo para pegar a camisa, e o muro caiu. Parecia uma cena de filme. E os outros jogadores já tinham saído. Em questão de segundos eu pulei para ajudar as pessoas, fui tirando as pessoas. Depois, quando fui para o vestiário, alguns colegas não estavam sabendo da proporção. Aquilo me causou um trauma, naquela semana eu não treinei. Às vezes eu lembrava e me emocionava.

O golpe do “empresário” português

Antes de enfrentar o Real Madrid no Mundial de 98, Vitor teve a chance de vestir a camisa do clube espanhol. A passagem por lá foi curta, mas a experiência fora do Brasil foi boa, apesar de uma lembrança que doeu no bolso. O lateral foi vítima de um golpe que lhe custou US$ 50 mil.

– Quando fizemos jogos por aqueles torneios Ramón de Carranza, Teresa Herrera… A forma com que eu atuava despertou interesse para que eu fosse para o Real Madrid. Eles queriam o Cafu, mas gostaram de mim, da forma agressiva como eu jogava. Na época não tínhamos o agente que cuidava da carreira. Eu fui emprestado, mas as pessoas falaram para eu ficar, jogar o Mundial de 93 contra o Milan. O Cerezo falou para eu segurar um pouco e depois ir vendido, porque aí eu teria tempo de adaptação. Como eu ia recusar? Eu queria ir para o Real Madrid naquele momento. Era uma aposta. Por eu ser um jogador de muita vitalidade, arranque, eu tive uma lesão muscular na coxa e, na época, eu demorei para me recuperar – declarou Vitor, que concluiu:

– Eu tinha luvas para receber, e eles demoraram para me pagar. Era US$ 50 mil. Apareciam nos jornais matérias de que eu estava lesionado e tal, e um cara me ligou dizendo que era de Portugal e que o Benfica estava me querendo: “Você estava muito bem no São Paulo, você tem que jogar”. Eu carente, recuperando, fiquei impressionado. Ele me perguntou se o Real Madrid tinha me pagado tudo direitinho e eu disse que tinha esse valor das luvas. Ele se ofereceu para ir até Madri resolver para mim. Ele chegou lá em um carro simples, achei estranho, mas ele ficou de reaver o meu dinheiro. Ele negociou e se ofereceu a levar o dinheiro para o Brasil, dizendo que ia resolver uns assuntos com jogadores dele aqui e me ajudaria para eu não ter que pagar os impostos. Peguei o dinheiro em espécie com o Real Madrid e entreguei para esse cara. Avisei a um amigo para receber ele no aeroporto no Brasil, mas o cara nunca chegou. Caí num golpe.

A temporada no Vasco foi a última dos anos de glória de Vitor. Depois ainda teve uma passagem pelo Botafogo, mas sofreu nova lesão que dificultou a sequência da carreira: “Até eu entender foi difícil”, confessou ele. Aposentado desde meados de 2007 – quando jogou a Segunda Divisão paulista pelo Inter de Limeira -, Vitor foi coordenador de um projeto social de futebol para crianças e hoje tem uma empresa que organiza eventos com times de masters em várias cidades pelo país.

Fonte: Globo Esporte

1 comentário
  • Responder

    Esta entrevista reforça o que eu comentei á época , a maior culpa foi do Lopes que o escalou sem que o mesmo tivesse condições pois vinha de contusão e , foi em cima dele o gol que tirou o VASCO de ganhar a Taça Toyota que alguns chama de mundial interclubes que era disputado apenas entre dois clubes um europeu e outro sul americano e no mundial mesmo da FIFA , o VASCO voltou a ficar com o vice e , si Vitor foi o culpado da perca do primeiro o Edmundo foi culpado pela perca do segundo . Mas Lopes este sim , teve a maior culpa na derrota contra o Real Madri .Vitor não deveria ter entrado em campo e nem mesmo ter ido .

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