Vasco na Copa João Havelange: 10 anos da queda de alambrados

A final da João Havelange ficou marcada como um dos episódios mais tristes do futebol brasileiro.

Descendente de portugueses, vascaíno desde sempre, José Joacir Teixeira Marinho, 60 anos, pisou em São Januário pela última vez há exatos 10 anos. Ele estava entre os feridos do desabamento do alambrado na final da Copa João Havelange, no dia 30 de dezembro de 2000. Desde então, o exfrequentador assíduo da Colina não viu mais o time do coração ao vivo. Para ele, a decisão entre Vasco e São Caetano é um jogo que ainda parece longe de acabar.

Final

Marinho é um dos 14 torcedores que pedem na Justiça indenizações pelos ferimentos na final da Copa JH. Ele machucou os dois joelhos e precisou engessar uma perna. A final do confuso torneio que substituiu o Brasileirão ficou marcada como um dos episódios mais tristes do futebol brasileiro.

O jogo foi interrompido aos 23 minutos do primeiro tempo, quando uma avalanche humana caiu da arquibancada com o rompimento do muro de proteção. Ninguém morreu, mas cerca de 160 pessoas se feriram. Com ambulâncias e helicópteros socorrendo as vítimas que se pisoteavam, o estádio parecia um campo de batalha.

Após o acidente que adiou a decisão para janeiro de 2001, dezenas de pessoas entraram com ações contra o Vasco. O ex-presidente Eurico Miranda, na época criticado por querer reiniciar o jogo, diz que foram 300 processos. A atual direção, no entanto, desconhece os números. Quando a diretoria assumiu, em 2008, havia 31 ações em aberto (muitas foram julgadas ou extintas antes). Desde 2008, três torcedores receberam valores entre R$ 5 e R$ 12 mil.

Quatro esperam pagamento e 10 perderam. Outros 14, entre eles Marinho, ainda aguardam o lento rito judicial. Rivais, antiga e atual direção concordam em um ponto: o Vasco perdeu muito dinheiro com o episódio. E pode perder mais com as ações pendentes. Pelo visto, aquele jogo ainda vai demorar a terminar.

APÓS CONFUSÃO, TORCEDORES ABANDONARAM O ESTÁDIO

Assim como José Joacir Teixeira Marinho, outros torcedores nunca mais foram a São Januário após o fatídico 30 de dezembro de 2000. Logo após o episódio, houve até um movimento na internet para boicotar as partidas, iniciativa que não prosperou. Muitos, no entanto, consideraram um desrespeito o tratamento dado pela diretoria vascaína e abandonaram a Colina.

O microempresário Lucio Barbosa Magaronis, hoje com 34 anos, foi um deles. Na época, com medo de violência, não frequentava o Maracanã. Ia somente para a arquibancada de São Januário por ter mais vascaínos. A confusão na final da Copa JH foi um misto de tristeza e decepção.

– Foi um empurra-empurra e caiu o alambrado. Eu caí dentro do túnel. Machuquei o braço e a perna direita. Estava uma confusão enorme. Fui atendido dentro do campo mesmo, pelos médicos. Quando queria ir embora, apanhei de PMs, que não deixavam ninguém sair, uma bagunça. Naquele dia eu perdi o tesão pelo futebol. Hoje, só pela televisão – recorda.

Ele também espera o jugalmento do processo por danos morais. Até hoje, no entanto, foi somente a duas audiências. No começo do processo, em 2001, os advogados do Vasco rejeitaram qualquer tipo de acordo para encerrar a ação.

PARA SÃO CAETANO, TRAGÉDIA EVITOU O TÍTULO DA EQUIPE

A tragédia em São Januário impediu o São Caetano de conquistar o inédito título brasileiro. É a convicção que desde o fatídico 30 de dezembro de 2000 não sai da cabeça de torcedores e jogadores.

A substituição de Romário, por lesão, e a pressão – com duas bolas na trave – sobre o Vasco levam Adhemar, artilheiro da competição, com 22 gols, a lamentar até hoje a paralisação do confronto.

– Tudo conspirava a nosso favor. Aquela tragédia foi um balde de água fria – disse ao LANCE!.

Apesar da confiança na conquista, Adhemar não contesta a decisão de adiar a decisão. Ao contrário, revela ter ficado com antipatia ainda maior por Eurico Miranda, então presidente do Vasco.

– Ele falava “vamos, levanta que o jogo vai continuar”. Não dava para saber se havia fratura, estavam ensanguentadas. Ele queria se livrar de punição, uma arrogância… Ali ele se definiu como dirigente mais odiado do futebol brasileiro – detonou o ex-jogador.

NA FINAL, AZULÃO ESTAVA SEM FOCO

Maior surpresa do futebol brasileiro em 2000, o São Caetano deixou o Módulo Amarelo (espécie de Segunda Divisão) da Copa JH para jogar a final.

Os atletas viraram foco dos grandes clubes e isso propiciou um time sem foco no Maracanã. O artilheiro Adhemar, por exemplo, viajou para Stuttgart (ALE), fez exames médicos na nova equipe e só então voltou para enfrentar a decisão remarcada.

– Estava fora do peso, outros jogadores já estavam negociados, como Daniel, Japinha… Havia vontade, mas não era o mesmo foco – relembrou.

O Azulão treinou somente uma semana antes da partida, enquanto o Vasco estava melhor fisicamente.


Fora do campo, os adversários na final da Copa JH foram o ex-presidente do Vasco, Eurico Miranda, e o ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho. Os dois bateram boca em frente às câmeras. Eurico queria o reinício do jogo. Garotinho não deixou. Dez anos depois, seguem com as mesmas convicções.

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Eurico Miranda
Ex-presidente do Vasco

Por que o Vasco não evitou a superlotação naquele jogo?

O caso foi no local onde concentra a Força Jovem. Nada a ver com superlotação. Surgiu uma confusão, que era a coisa mais normal acontecer, e o pessoal desceu pra cima do alambrado.

O senhor quis recomeçar o jogo durante o socorro às vítimas?

A primeira pessoa a entrar no campo foi eu. Falei: “O jogo no momento não me importa. O que importa é o atendimento aos feridos.” Foi feito todo atendimento. A partir do momento que todo atendimento tinha sido feito, eu passei a ter uma preocupação de evacuar o campo.

Por que o senhor chamou o ex-governador Garotinho de frouxo e incompetente?

Veio o comandante da Defesa Civil e disse: “O governador deu a ordem que terá o jogo.” Quando eu saía do campo, veio uma contraordem mandando suspender. Se ele tivesse suspendido, tudo bem. O que ele não pode, é mandar um emissário para me passar uma coisa e cinco minutos depois mudar.

O senhor se arrepende de ter xingado o governador em frente às câmeras ?

Eu tenho 66 anos, nunca agredi ninguém, por incrível que pareça. Eu revido a agressão. Eu tenho o defeito que as pessoas me agridem com uma estilingada e eu devolvo um obus (peça de canhão). Cada um tem o direito de analisar como quiser. Com a responsabilidade que eu tinha, de representar a minha instituição, depois de tudo aquilo que passamos, depois de toda aquela odisséia. Se eu for me analisar, eu acho que eu reagi pouco. Não era eu que estava sendo atingido, era a instituição.

Anthony Garotinho
Ex-governador do RJ

O senhor tomou sozinho a decisão de suspender o jogo?

Eu estava em casa, no Palácio Laranjeiras, onde morava quando era governador. Eu assistia ao jogo quando vi àquela tragédia do alambrado caindo. Fiquei muito ansioso. Pensei que precisava parar o jogo. E havia aquela pressão do Eurico Miranda para o jogo recomeçar. Vi o coronel Paulo, que era o chefe da Defesa Civil, sendo pressionado. Quando vi que o jogo iria reiniciar, liguei para o coronel e disse: “Você não pode recomeçar o jogo.”

A sua decisão sofreu alguma influência dos clubes ou Rede Globo, que transmitia o jogo?

Havia pressão terrível do Vasco para continuar a partida. Eu falei: “Não tem jeito. Não vai recomeçar e é ordem minha.” Não tive pressão da Globo.

O Eurico Miranda reclama que o senhor deu o ordem para continuar e contraordem para suspender. É verdade?

Não, absolutamente. A ordem para continuar foi do secretário. Eu dei apenas um telefonema para o jogo ser cancelado. Aquilo era uma loucura. Aqueles soldados formando uma parede humana. Se o povo partisse para cima, seria uma tragédia. Não havia a menor condição.

O que o senhor fez após ser chamado de frouxo ao vivo?

O Eurico não é mole. Mandei processá-lo. O Eurico foi para à televisão. Meu chamou de frouxo, de covarde. Eu lembro disso porque eu processei ele. Ganhei uma indenização de R$ 650 mil que eu reformei a minha casa e comprei uns carros que eu queria dar de presente para a Rosinha (Garotinho, ex-governadora). Depois eu tive com ele. Não tenho amizade, mas não tenho ódio nem rancor.

lancenet

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