Rejeitado e com alguns méritos: confira o perfil de Alexandre Campello no Vasco
Alexandre Campello termina o mandato no Vasco da Gama com alguns méritos, mas com muita rejeição da torcida vascaína.
Ao longo de 2017, a campanha para presidente do Vasco estava na fase de apresentação de projetos aos grupos políticos do clube quando a dificuldade para falar em público de Alexandre Campello foi notada. Linguagem corporal problemática, oratória pouco convincente… não à toa, ele estava em quarto lugar nas pesquisas. Mas tudo mudaria: a capacidade em entrevistas e palanques… e a cadeira de mandatário obtida.
O período dele à frente do clube está acabando, mas, para entender por que o médico com décadas de serviços prestados ao Cruz-Maltino não se reelegeu, é preciso voltar ao processo eleitoral anterior. Campello lidou com antipatia de grande parte da torcida e também de parcela do quadro de sócios ao longo de todo mandato. E tudo começou na eleição do Conselho Deliberativo, na sede do clube na Lagoa.
Em 19 de janeiro de 2018, o ortopedista foi eleito e já ali era uma figura minimamente antipática a muitos. A começar por Eurico Miranda (morto em 2019), candidato à reeleição, que teve em sua história críticas pesadas contra adversários, fossem quem fossem. Campello foi um, mas não chegou a concorrer pelo voto dos sócios. Na coalizão de pouca convergência formada para derrotar o então presidente, o médico se tornou o vice de Julio Brant.
Brant vai para a “Reunião da Lagoa” como favorito, mas críticas a Eurico uma semana antes e divergências com Campello mudam o cenário. Querido pela torcida, Julio alega que o então vice o traiu ao lançar candidatura própria na eleição do Conselho Deliberativo. O ex-vice diz que, passada a vitória em São Januário, acordos foram sendo descumpridos e ele foi sendo afastado dos planos para a gestão.
Fosse traição ou revide, mais ódio foi alimentado contra Campello. Mas agora era Julio o rival de Eurico Miranda, que foi influência decisiva para os conselheiros não referendarem a decisão dos sócios pela primeira vez na história do clube. Naturalmente, os apoiadores de Brant passaram a nutrir antipatia pelo presidente empossado. O peso daquela reunião foi nítido durante o mandato.
– Carreguei a pecha de golpista sozinho – desabafou Campello, nos bastidores, ao longo do mandato. Mais frequentemente nos últimos meses.
E seria odiado por mais gente, pouco depois.
Face do presidente
Mas Campello assumiu e as facetas do presidente começaram a aparecer. A começar no trabalho de oratória. Foi nítida a evolução. Antes, médico bem sucedido, mas acostumado a menos reuniões do que teria a partir da vitória na Lagoa. Obrigações como principal dirigente do Vasco lhe fizeram treinar e ser bem sucedido na capacidade de apresentar ideias.
Por outro lado, é quase que consenso de que era preciso ter se comunicado mais com a torcida, mostrar o trabalho que estava sendo feito e desconstruir a imagem de “golpista”. Quando isso ocorreu, já era tarde para tentar se reeleger.
Como gestor, Campello tentava delegar funções, mas uma personalidade desconfiada o impedia de fazê-lo por completo. Diferentes vezes interveio em em variadas vice-presidências e tomou para si missões específicas. No departamento de futebol, menos abertura ainda. Em reuniões da diretoria, compartilhava poucas informações sobre o planejamento para o time. Um dos argumentos principais era de que “poderia vazar”.
O departamento de futebol, portanto, foi o que mais teve a ingerência do presidente, mesmo antes do período em que optou por manter vaga a pasta “para não politizá-la”. Tal vice-presidência ficou acéfala quando Fred Lopes deixou o cargo, em 4 de maio daquele 2018, alegando, entre outras coisas, não ter tomado conhecimento da venda de Paulinho para o Bayer Leverkusen (ALE).
Fred foi o primeiro membro do Identidade Vasco, grupo liderado por Roberto Monteiro, a romper com Campello. O grupo foi mais um a alegar traição do presidente. Neste momento, foram 12 os vice-presidentes que deixaram a diretoria, fora os representantes de outros poderes. O fato é que foi mais raiva angariada contra o mandatário.
Neste caso específico, Monteiro, presidente do Conselho Deliberativo, passou a chamar o desafeto publicamente de Calabar, numa referência à palavra “traidor” numa polêmica história da invasão holandesa ao Nordeste, no século XVII. A rivalidade era tanta que Alexandre Campello passou a perigar sofrer impeachment. Por duas vezes, ele esteve perto de deixar a sala da presidência pelas mãos de conselheiros.
A desconfiança e a pouca habilidade nos bastidores, na primeira metade do mandato, isolaram o representante maior do clube. Em contrapartida, houve quem entendesse na ruptura com o Identidade Vasco um ato de coragem política e institucional. Para muitos, o momento decisivo da gestão.
Àquela altura, meados de 2018, a diretoria estava esvaziada e foi sendo repreenchida lentamente. Mas diante do afastamento de quadros políticos de toda sorte – inclusive Eurico, cujo apoio foi somente para derrotar Brant no pleito -, quem permaneceu ou chegou para a gestão era, em princípio, pouco ou nada afeito à tradicional rotina política do clube.
Olhar para frente
Passada a primeira metade do mandato, o risco do impeachment, estatutariamente, estava reduzido. Nos bastidores, percebeu-se um presidente que deixou de apenas sobreviver no cargo e passou a tentar, mais nitidamente, construir um legado.
Neste cenário, porém, ganha relevância no clube um personagem: Adriano Mendes – que deixou o clube em janeiro de 2020, alegando divergências, e será o vice-presidente de finanças de Jorge Salgado. Vice de controladoria desde o início da atual gestão, ele foi centralizando ações, ganhando protagonismo e status, ao mesmo tempo em que angariou a antipatia de outros dirigentes. Bruno Maia, então vice de marketing, foi um deles.
Para o mandatário, contudo, o cenário era politicamente positivo. Conseguia liderar projetos estruturais e tocava a vice-presidência de futebol – desejo primário no acordo com Julio Brant e uma das coisas que Campello alegava caminhar para uma não confirmação, quando ocorreu a cisão.
O problema é a gestão do futebol. Os resultados são incontestavelmente fracos, mas a condução de diferentes processos se deu de forma muito lenta e contraditória. Quando Alberto Valentim foi demitido, por exemplo, no dia 21 de abril de 2019, o substituto, Vanderlei Luxemburgo, só foi anunciado no dia 8 de maio, três semanas depois. Isso após mudanças e mudanças no perfil desejado e possível.
Campello deixa o clube nos próximos dias sem conquistar nenhum título – somente a Taça Guanabara de 2019 -; sem vencer o maior rival, o Flamengo, em nenhuma das 11 partidas dos últimos três anos; e com dois anos de luta contra o rebaixamento. Por outro lado, não entregará o time rebaixado, o que ocorreu com Eurico Miranda e com Roberto Dinamite, mandatários anteriores neste século.
O CT do Almirante já está entregue com considerável estrutura, e o projeto terá sequência na gestão de Jorge Salgado, o sucessor. Assim como a reforma e modernização de São Januário, que tem memorando de intenção assinado com a construtora WTorre e também está na pauta da transição entre diretorias. O CT de Caxias, para a base, está em obras.
Pessoas próximas entendem que a modernização de processos internos e a maior abertura para o mercado externo no período pós-Eurico foi um mérito que tende a permanecer no clube. Há quem analise que, caso o time estivesse em melhor condição no Campeonato Brasileiro, Campello teria mais força na última disputa eleitoral. Ele acabou em quarto na votação em São Januário, que ficou sub judice, e abriu mão de concorrer no Calabouço, na semana seguinte.
Quase ninguém acreditava que ele pudesse ganhar, e ele ganhou. Quase ninguém acreditava que ele chegaria ao fim do mandato. Ele chegou. E as cruzadas políticas foram várias, os méritos existem, mas poucos louros são contados pela torcida. Alexandre Campello deixa a presidência, mas, ao menos por enquanto, a imagem que fica – e que as urnas decretaram – foi a daquele médico vencedor da reunião de três anos atrás, na Lagoa.
Fonte: Lancenet