Pai relembra desafios de Douglas Luiz cria do Vasco que brilha na Seleção Brasileira

Pai de Douglas Luiz relembra que o jogador foi dispensado do Flamengo antes de ter uma grande oportunidade no Vasco da Gama.

Douglas Luiz
Douglas Luiz (Foto:Paulo Sergio/Lancepress!)

Edmilson teve que deixar de lado o Bar do Bigode. O ponto comercial na Nova Holanda, no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, era ponto de encontro da garotada nos primeiros passos do filho no futebol. Paraibano, da cidade de Sapé, a terra do abacaxi, ele chorou ao ver o filho em campo na estreia com a Seleção nas Eliminatórias.

Foi a segunda goleada em poucos dias. Antes dos 5 a 0 na Bolívia, ele viu bem de perto para conferir o Aston Villa fazer 7 a 2 sobre o Liverpool, o melhor time do mundo.

– Estava num bar do lado do estádio assistindo ao jogo. Goleada boa. Ele jogou muito.

Nesta segunda, a seleção brasileira treina pela manhã e viaja de tarde para Lima. Tite vai definir a escalação para enfrentar o Peru, na terça, às 21h – horário de Brasília – no estádio Nacional.

O sujeito dessa frase e de toda uma vida do pai orgulhoso é Douglas Luiz Soares de Paulo, um dos quatro filhos de Edmilson. Aos 56 anos, ele atende por seu “Bigode” em toda região das favelas da Maré. O apelido está na pele do filho, numa tatuagem em elegante bigode que o filho de 22 anos usa para reverenciá-lo quando marca um gol – ou simplesmente para postar uma foto no Instagram.

Ele veio para o Rio de Janeiro com 18 anos, tentar ganhar a vida. Na Maré, conheceu a esposa Leda, que era sua cabelereira, e formou a família. Fez entrega de bicicleta, passou por todas as funções dentro de uma padaria e fez as economias até abrir uma panificadora própria – foram três na Nova Holanda. Foi motorista de caminhão e entregou carne em todo o estado do Rio. Dirigiu Kombi e rodou a cidade para transportar passageiros – e ainda tirava forças para guiar o filho.

– Alô, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro, Parque União e Bonsucesso!

Assim, Douglas e um dos irmãos ajudavam o pai no dia a dia no serviço da Kombi. Mas o talento de Douglas já falava mais alto. E o pai, um batalhador que hoje desfruta do conforto que o filho fez questão de lhe dar, foi atrás do sonho com o filho.

– Tinha a minha Kombi velha e gastava R$ 50 por dia para levar e buscar ele nos treinos antes de ser aprovado no teste do Vasco. Foram uns três meses assim. Estava pesado para mim. Mas Deus falou: “não desiste que ele vai passar” – conta seu Bigode.

Não passou em teste no Fla e escapou de corte no Vasco

Douglas foi vendido pelo Vasco ao Manchester City em 2017 por 13 milhões de euros. Por incrível que pareça, não é exagero algum dizer que DG, como é conhecido, era azarão naquela famosa geração 1998 do clube de São Januário. Foi num espaço deixado por Andrey, hoje titular no Vasco, que surgiu a chance da vida para o meia.

– Foi um sufoco. Ele treinava no campo do Pedrinho (Vicençote, em Itaguaí). Não ia no ônibus do Vasco, estava em teste e toda semana um ou dois iam embora dispensados. Na semana que ele ia ser mandado embora, o Andrey se machucou, Douglas entrou de volante e resolveu o problema. Ali me pediram para trazer a documentação dele. O Mauro Galvão (ex-jogador e que era gerente da base) disse que meu filho era muito bom de bola e que queriam ficar com ele – contou.

Antes das raízes na Colina, Douglas vestiu vermelho e preto, num projeto na Vila Olímpica da Maré. O Fla/Uevom foi a base de Douglas no futebol de salão. Ele conquistou um título carioca apenas com jogadores formados na Maré, um feito para a garotada.

Ala direito, Douglas era um dos destaques da equipe de Antonio Bezerra, ex-goleiro de futsal, que tem mais de 30 anos de vida no esporte. Hoje no futebol feminino e no sub-18 do Flamengo, Bezerra lembra o início de DG no Fla/Uevom, que já não existe mais.

– Ele tinha uma família muito atuante e era muito focado em jogar futebol, em desenvolver o potencial dele. O projeto lá existia para facilitar a transição dentro da comunidade – comentou Bezerra, que lançou mais alguns jogadores de futebol e também formou profissionais da bola.

Depois do início com seis anos na escolinha Romarinho, na Maré, Douglas passou pelo Olaria e chegou a fazer teste com o amigo Italo, um pouco mais velho, no sub-13 do Flamengo, mas não ficou. Na época, Bezerra o incentivou a seguir o caminho. Pouco depois ele seria aprovado para o Vasco numa peneira na Maré.

– “Filho, corre a vida que essa chance ainda vai aparecer”, eu dizia para ele – lembra Bezerra.

“Dormir pobre e acordar rico”

Com duas convocações para a seleção brasileira, Douglas Luiz disputa posição com Bruno Guimarães, com Arthur, com Matheus Henrique, Gerson e outros novos meias que surgem. Definiu a geração de volantes como absurda.

O cenário parece até aquele do Vasco, da geração de 1998. Talvez por isso o pai fique tão tranquilo sobre o comportamento de Douglas.

– Ele é muito frio. Sempre me surpreendeu com isso. Não fica nervoso para jogo grande. Quanto mais quente, melhor para ele – diz o pai.

Foi com certa frieza que Douglas definiu, no fim de 2016, suas metas antes de ser vendido pelo Vasco. Lembrou em entrevista ao ge que não era um dos nomes mais badalados da geração e que, por isso, precisava comer pelas beiradas.

– Na noite antes do jogo eu pensava: “Amanhã é o dia de dormir pobre e acordar rico” – dizia.

A frase ecoou em São Januário. O garoto, que morava numa casa com dois quartos na Maré com a mãe, pai e mais três irmãos, pegou o primeiro bom dinheiro que recebeu da venda para a Inglaterra e comprou um apartamento para os pais, em Pilares, em frente ao Norte Shopping. Mais um pouquinho e adquiriu uma cobertura no Recreio, na zona oeste, para os pais.

Douglas pediu ao pai deixar de trabalhar na rua e cuidar da família, ficar próximo dele. Seu Edmilson, o Bigode, passou por tudo ao lado do filho. Nos momentos de operação da Polícia Militar na Nova Holanda, a preocupação era grande e por pouco não interrompeu a vida do filho no futebol.

– Passamos muito constrangimento. Tinha dia que ia treinar em São Januário, a gente acordava e os tiros comendo soltos, eu não podia sair, mas não podia faltar aos treinos. Esperava a bola baixar um pouco e saía com ele, arriscando – recorda Bigode, do alto do apartamento do filho num prédio de 25 andares em Birmighan.

Ansioso para ver Douglas jogar de novo, ele já espera o filho para se mudar para uma casa maior para receber toda a família no fim do ano. Apesar de todas as preocupações com o coronavírus, a vontade é de reunir todos da família que une Paraíba e Rio Grande do Norte, da esposa Leda.

– Hoje meu filho joga em qualquer time da Europa. Tem uns times que querem ele, mas se pudesse moraria sempre aqui. Ficaria aqui o resto da minha vida.

Fonte: Globo Esporte

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