O jogo do Vasco que foi inesquecível para Chico Anysio

A partida do Vasco que marcou o humorista Chico Anysio, foi contra o Palmeiras, pela Copa Mercosul em 2000.

O Brasil perdeu o humor fino, inteligente, antenadíssimo, que lhe conferiu a camisa 10 na seleção dos mestres do sorriso. Aos 80 anos, Chico Anysio saiu de cena nesta sexta-feira tão triste para o país após dura batalha para se recuperar dos sérios problemas de saúde nos últimos meses. Num momento de reação, em 2011, voltou às telas no “Zorra total”, na Rede Globo, com a Salomé, de Passo Fundo, uma das centenas de personagens marcantes que criou. Nesse período, abriu as portas de sua casa, na Barra da Tijuca, para falar de futebol. A entrevista foi ao ar no dia 17 de maio de 2011 e é republicada nesta sexta, em sua homenagem. Naquele agradável dia, o humorista pegou emprestada a alegria do dublê de jogador Coalhada e a inspiração do Pantaleão para contar suas histórias. Sem exageros…

Uma das mais interessantes na vida do humorista foi a troca de camisas. Sim, Chico assumia sem constrangimento que já torcia por vários clubes. O Palmeiras foi o único que jamais deixou de ter espaço. Vasco, América e Flamengo já se revezaram na preferência carioca, especialmente nos últimos anos, pelo fato de Chico morar há muito tempo no Rio. Cruzeiro, Grêmio, Santa Cruz e o Inter, do amigo Falcão, contaram também com a simpatia do humorista, que há anos não largava a camisa cruz-maltina.

Talvez por isso, além do fato de ter sido comentarista de futebol no rádio e na TV e criado no mundo do futebol – o pai foi presidente do Ceará -, ele não fosse daqueles de comemorar muito a vitória do time. Mais contido, estilo blasé, confessou, no entanto, que uma partida o tirou do sério. Justamente quando o coração estava dividido. Perto do Natal de 2000, naquele 20 de dezembro, Palmeiras e Vasco, os preferidos do coração de Chico, decidiam a Copa Mercosul. O Verdão fez 3 a 0, mas o Gigante da Colina conseguiu virar para 4 a 3 de forma sensacional. A partida marcou não só o humorista como todo vascaíno que viu aquele duelo.

– Eu sou Vasco e Palmeiras. O primeiro time pelo qual torci foi o Palestra Itália. Quando moro em São Paulo, prefiro o Palmeiras. Quando moro no Rio, prefiro o Vasco. Esse jogo eu vi em Belo Horizonte, onde eu prefiro… o Cruzeiro. Assim que o Palmeiras fez 3 a 0, pensei que estava resolvido. Naquele momento, não torcia para nenhum. Aí, vi quando o Palmeiras perdeu o jogo: o técnico botou o time marcando homem a homem. O do Vasco (Joel Santana) tirou o Nasa e lançou o Viola, que não tinha marcador. E ele desarmou tudo. O Vasco fez 1 a 3, 2 a 3, 3 a 3 e 4 a 3. Vibrei na virada. Quando o Romário fez o segundo gol, o Palmeiras enlouqueceu, e já fiquei torcendo para o Vasco, que empatou. O Palmeiras abriu o jogo. Juninho Paulista e Romário jogaram muito. Foi uma partida brilhante. – afirmou Chico Anysio, no seu apartamento, na Barra da Tijuca.

‘O Vasco é o time da virada…’

O humorista lembrou que estava na cidade mineira em excursão com uma peça. Naquela noite, de folga, resolveu assistir à partida no hotel, na companhia do então empresário, Róbson Paraíso, já falecido. Róbson era torcedor do Náutico e também se deixou contagiar pela espetacular reação do Vasco, que no primeiro tempo não viu a cor da bola. Apenas uma jogada de Romário assustou o Verdão, que aos 35 recebeu um presente de Júnior Baiano. O zagueiro cortou um cruzamento com a mão dentro da área. Pênalti que Arce converteu, abrindo o placar. No minuto seguinte, Magrão aumentou, e aos 45 Tuta marcou o terceiro.

Tanto Chico quanto seu amigo Róbson e o resto da torcida do Vasco não esperavam o que aconteceu nos 45 minutos finais. E, conforme o humorista mesmo lembrou, Viola entrou para esquentar um jogo já praticamente perdido. O Vasco partiu para o ataque e, aos 14, Romário diminuiu de pênalti marcado sobre Juninho Paulista. Nove minutos depois, replay: Juninho Paulista derrubado na área, gol de pênalti do Baixinho.

A partir daí, o cearense que conquistou o Brasil passou a acreditar na virada. Nem a expulsão de Júnior Baiano, aos 32, cortou o otimismo, premiado aos 40 com o gol de Juninho Paulista. E a musiquinha tão cantada nos estádios “O Vasco é o time da virada, o Vasco é o time do amor…” ganhou forma aos 48,  quando Viola iniciou jogada concluída por Juninho Paulista. No rebote, Romário mandou para as redes pela terceira vez naquela noite e iniciou uma grande festa em São Paulo e no Rio. Chico comemorou, mas do seu jeito.

– Eu não grito gol nem pulo. Fui criado no futebol. Meu pai foi presidente do Ceará Sporting. A concentração era no nosso sítio, em Maranguape. Nunca vi um jogador dizer “o Ceará perdeu”, “o Ceará ganhou”. Era só “ganhei o bicho”, “perdi o bicho”. Só pensam no dinheiro. Aí, achei o seguinte: eles é que têm que torcer, não eu. Nunca vibrei, nem com a Seleção. Agora, o 4 a 3 do Vasco foi diferente. O outro que eu vibrei foi o do gol do Cocada, na vitória sobre o Flamengo por 1 a 0, na final do Carioca de 1988. Eu estava atrás do gol. O chute do Cocada foi lindo. E a bola espalhou água, estava chovendo… Ele entrou em campo aos 44 do segundo tempo, fez o gol aos 45 e foi expulso aos 46…

Explicação para mudanças de time

Chico Anysio gostava e entendia tanto de futebol que conseguia ser um bom advogado de defesa para as trocas de camisa que já fez como torcedor. Ele não entendia por que se critica tanto quem resolve torcer para outro clube.

– Eu acho o seguinte: você muda de mulher e não é vira-leito. Você muda de rua e não é vira-placa. Você muda de fé e não é vira-cruz. Quando muda de time, é vira-casaca. Por quê? Eu estou Vasco. Se o Vasco fizer uma grande sacanagem com alguém amanhã, eu deixo de ser. Imediatamente – disse o humorista, que já foi comentarista de futebol na Rádio Tupi.

Uma das mudanças de time do hurmorista aconteceu em plena viagem, quando voltava de carro de Piraí, escutando o jogo do América. Daí em diante, não trocou mais.

– A equipe jogava contra o Náutico no campo do Vasco. Tinha que empatar para passar para a fase seguinte do Brasileiro. E acabou derrotada por 3 a 0, três gols do Baiano. Eu tinha falado, antes do jogo: “Se o América perder esse jogo, eu paro de ser América. Vou fazer 50 anos, não posso ter uma velhice preocupada. Aí eu voltei a ser Vasco, que tinha sido o primeiro time pelo qual torci no Rio. Tinha deixado de ser Vasco por causa de uma safadeza que a diretoria fez com o treinador, o Gentil Cardoso. Aí, pensei: vou escolher um outro time. E escolhi o maior adversário do Vasco, o Flamengo, que tinha sido o sétimo colocado no Carioca de 1952.

No período rubro-negro, Chico Anysio ficou amigo do treinador paraguaio Fleitas Solich, que era seu vizinho. Certa vez, o técnico, depois de sagrar-se tricampeão carioca com o Rolo Compressor de Dida, Evaristo, Joel, Rubens & Cia., confessou ao humorista que havia rumores de que sairia e já iniciara os contatos – recebera, inclusive, proposta do Boca Juniors, repassada à diretoria, para saber se a intenção do clube era mantê-lo ou dispensá-lo.

– No dia seguinte, ele me falou: “Vou ficar. O presidente disse que só saio do Flamengo quando ele sair.” Era o Fadel Fadel. O Flamengo viajou para a Espanha. Quando Don Fleitas chegou no hotel, tinha um telegrama para ele, o dispensando. Aí, pensei: como um clube tem um presidente que dispensa um técnico sem coragem de falar no olho dele? Esse time é muito pequeno para mim. Vou tirar tudo de sujo que tem na camisa. Aí, virei América. Então, tudo tem um motivo. Depois que deixei de ser América, voltei a ser Vasco e não mudei mais. Fui muito bem recebido de volta, ninguém me chamou de vira-casaca. E o time do meu fundinho do meu coração é o Palmeiras – afirmou, mostrando, no entanto, a camisa personalizada que ganhou do presidente cruz-maltino, Roberto Dinamite.

Amigo de Falcão

Os amigos também fizeram o humorista trocar de camisa… regionalmente falando. Gremista em Porto Alegre, Chico Anysio afirmara na ocasião que estava numa sinuca desde que Paulo Roberto Falcão, ex-comentarista da TV Globo, hoje no Bahia, havia assumido na época o comando do Internacional.  Um dos maiores jogadores – senão o maior – da história colorada era  amigo pessoal de Chico.

– Somos muito amigos desde o tempo em que era juvenil do Inter. Na época, eu o indiquei ao Palmeiras. O dirigente foi a Porto Alegre, mas o Inter disse: “Com ele, não tem negócio.” Isso motivou o aumento do salário no Inter. E ele ficou grato a mim, porque o indiquei ao Palmeiras. Depois, ficamos amigos. Quando ele foi para Roma,  jogar no Roma, e eu estive lá, ficou como meu cicerone por um dia. Depois, nos encontramos em Santa Catarina. Ele estava com o Mário Sérgio. Quando vou a Porto Alegre, jantamos juntos. A Cristina, mulher dele, é minha amiga também. Então, com o Paulo técnico, não posso torcer contra ele. Então, sou um mau torcedor, torço mais é pelos amigos.

Os craques do Chico

Falcão era também um dos craques preferidos de Chico, que listou os melhores de cada clube pelo qual torceu. Tal como o Professor Raimundo da escolinha mais famosa do Brasil, mostrou todo o conhecimento sobre um dos seus assuntos favoritos. No Flamengo dos anos 1950, citou Dequinha, Rubens, Joel, Dida…

– Esse teve um azar na vida: foi nascer junto com o Pelé.

No América, o humorista fez nova lista de respeito: Canário, Alarcon, Leônidas, João Carlos (de quem foi reserva nos juvenis do Fluminense e num time da Glória) e Ferreira. Isso nos anos 1950 e 1960. Nos anos 1970,  Ivo, Tadeu, Edu, Bráulio… A do Vasco incluiu Walter Marciano, Pinga, Danilo Alvim, Ademir de Menezes, Lelé…  e Roberto Dinamite.

– Quando arrancava do meio-campo, Roberto lembrava o estilo do Ademir. E dava uma bomba… No fim de carreira, recuou para o meio-campo e ainda fez o Romário, que para mim foi o segundo maior jogador do mundo, atrás apenas do Pelé. Olha a minha lista dos cinco melhores: Pelé, Romário, Zico, Di Stéfano e Maradona. O Zico foi para o Udinese, que era o Volta Redonda da Itállia, e sagrou-se vice-artilheiro do campeonato, jogando partidas a menos que o Platini, que era do Juventus, o time campeão.

O que Chico achava do Mané? Para o humorista, o Anjo das Pernas Tortas foi um capítulo à parte.

– O Garrincha era diferente. Uma definição boa para o Garrincha tem o Alceu Valença: “O Luiz Gonzaga foi o Pelé… O Garrincha foi o Jackson do Pandeiro.” Ele era aquilo… Um samba de breque, uma melodia especial. Ganhou duas Copas, principalmente a de 62.

Divino, o melhor

A lista do Palmeiras que Chico fez era boa. Oberdan, Waldemar Fiúme, Dudu, César Maluco, Servílio, Tupã, Rinaldo… E nessa lista tinha o preferido, o maior da história do Palmeiras: o camisa 10 Ademir da Guia, o Divino, craque dos anos 1960 e 1970.

– Ademir, para mim, foi o maior jogador do mundo. Botava o jogo no ritmo dele. Tinha o passo enorme. Um dia, o Flamarion, que tinha 19 anos quando trocou o Guarani pelo Cruzeiro, foi obrigado a marcá-lo em todos os lugares, até no banheiro. Pois bem… O garoto saiu de campo aos 20 minutos cansado, sem poder dar entrevista. E o Ademir em campo… 3 a 0 para o Palmeiras. Ele não era lento, a lentidão era aparente. Sofreu uma maldade que o Zagallo fez na Copa de 74, quando o deixou com Alfredo e César no hotel e não levava para treinar. Quando enfrentou a Polônia, foi eleito por oito jornalistas como um dos melhores da Copa, tendo atuado uma partida só – afirmou, com o ar professoral de quem sabia. E vai deixar muita saudade.

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