Iza exalta história do Vasco e fala sobre seu amor pelo Clube
A cantora e vascaína Iza exaltou a história do Vasco da Gama e animada se colocou à disposição do clube para ajudar.
Quando decidiu largar tudo em nome da música, a publicitária Isabela Cristina estava infeliz trabalhando em um coworking onde editava vídeos para redes sociais. Só se sentia realizada ao sair para o happy hour com os colegas de trabalho. Era nesses momentos que soltava a voz no karaokê e tinha cada vez mais certeza de que a publicidade não era o seu lugar. “Abandonar o emprego para correr atrás da música foi uma decisão arriscada”, conta. “Não sabia o que queria como cantora nem o que poderia acontecer. Mas foi um passo decisivo na minha vida.” Cinco anos depois, Isabela virou Iza, emplaca um hit atrás do outro, já recebeu indicação ao Grammy Latino e se converteu em uma das cantoras de maior sucesso no Brasil levando a assinatura da representatividade negra em suas produções.
Aos 29 anos, ela se estabelece como símbolo de uma geração na cena do pop. Recentemente, tocou no Rock in Rio e Lollapalooza, além de ter sido escolhida como jurada técnica do último The Voice Brasil, a edição de maior audiência do programa global. Antes de estourar, Iza criou um canal no Youtube em que publicava versões de artistas como Beyoncé. Os vídeos repercutiram e, em 2016, chamaram a atenção de uma gravadora. No ano seguinte, lançou seu primeiro álbum. Em 2019, além dos grandes festivais, veio o convite da Disney para dublar Nala no filme Rei Leão. Foi recomendada pela própria Beyoncé, quem havia dublado a mesma personagem na edição em inglês.
Tal qual a estrela norte-americana, Iza faz questão de imprimir em seus trabalhos a marca da cultura negra. Clipes e shows estão repletos de cabelos black power, atores e bailarinos negros e referências ao universo afrobrasileiro. “Isso sempre foi natural para mim. A intenção é fazer à beça, até as pessoas pararem de reparar que só têm negros nos meus clipes”, explica a cantora. “A gente está acostumado a não ver negros em determinados lugares. Ainda somos a exceção nos elencos de clipes, novelas e filmes. Mas isso não é normal, porque somos maioria no país. E muitas vezes, quando aparece, o negro acaba estereotipado. Ou você é a empregada ou o vizinho engraçado ou a mulher gostosa, o bandido… Definitivamente, nós somos muito mais que isso.”
As narrativas dos clipes evitam retratar a vida periférica de forma degradada, sem, no entanto, mascarar a realidade. Em Dona de Mim, mulheres reais encenam seus dramas, como uma mãe que cria o filho sozinha e uma professora de escola pública que protege os alunos durante um tiroteio. “Quero que as mulheres se sintam confiantes e empoderadas para ser o que realmente são. A representatividade ensina que qualquer pessoa pode estar onde quiser, que cada um é parte de alguma coisa”, diz, lembrando que, quando era criança, não se enxergava nos rostos majoritariamente brancos do pop – o que contribuiu para que demorasse a ganhar confiança de que poderia se tornar cantora. “A música é o que eu mais amo fazer, o que paga minhas contas e realiza meus sonhos. Mas sei a infância que eu tive, e como era necessário me ver nos lugares. Se as pessoas se sentem representadas pelo que eu faço é sinal de que estou no caminho certo.”
Embora de forma mais sutil, as letras das músicas também carregam mensagens empoderadoras que valorizam a herança africana. Em Ginga, com batida de capoeira, Iza prega “fé na sua mandinga” com a mesma energia que abre os shows ouvindo o histórico discurso de Martin Luther King antes de cantar o reggae Pesadão – momento em que ela e todos os bailarinos erguem os braços com o punho cerrado. “Ser artista significa lidar com questões sociais”, afirma. “Eu falo sobre namoro, traição, sexo, futebol, mas não posso ignorar temas mais sensíveis. Para mim é fundamental falar sobre as coisas que importam. Tenho sido muito feliz com essa forma de trabalhar.”
Iza não rechaça o teor político de suas produções musicais, mas evita se posicionar como militante de uma causa. Consciente do que representa como mulher negra bem-sucedida, sua pretensão nesse estágio da carreira é seguir ocupando espaços até então restritos aos brancos. “As pessoas me veem em lugares onde não viam tantos negros e sempre perguntam: ‘Ah, você é militante?’. Eu não preciso ficar falando o tempo inteiro sobre as coisas. Se eu estiver no horário nobre da TV, mesmo calada, já tô dizendo muito.”
Voz ativa contra o discurso meritocrático
Buscar uma professora de escola pública e periférica para o clipe Dona de Mim foi a maneira que Iza encontrou para homenagear a mãe Isabel, que se dedica a dar aulas de música e artes. Ela se recorda das inúmeras vezes que a mãe se atrasava ao voltar para casa devido aos tiroteios nas imediações da escola ou dos alunos que, de tão acostumados aos confrontos na favela, sabiam identificar as armas somente pelo barulho dos tiros. Por conta da atividade da mãe, Iza estudou como bolsista em colégios particulares do Rio de Janeiro. Pelo bom desempenho no ENEM, a cantora nascida em Olaria, subúrbio carioca, ganhou bolsa integral no curso de publicidade da PUC. “Minha vida é o que é hoje por causa do esforço dos meus pais em me dar uma educação de qualidade.”
A convivência em ambientes mais elitizados, com poucos negros ao redor, fez com que Iza logo sentisse na pele a indiscrição do preconceito racial. “Quem é negro se percebe como tal antes mesmo de começar a se questionar sobre o racismo. As pessoas avisam pra você. Eu me percebi negra porque me avisaram. Mas que bom. Porque essa é a parte que eu mais gosto em mim”, conta, justificando a postura combativa contra discriminação. “Tem gente que diz: ‘Por que vocês não tentam esquecer isso [o racismo]?’. Ia ser incrível se todo mundo também esquecesse. Na verdade, essa é a ideia: que um dia ninguém mais precise falar desse problema.”
Desde cedo, recebeu em casa a orientação de não se calar ao ser discriminada. “Meus pais nunca me ensinaram a conviver pacificamente com o racismo. Pelo contrário. Me ensinaram a sempre me levantar contra o preconceito. Se eu sofresse racismo na escola sete vezes, minha mãe ia sete vezes falar com a diretora. A gente jamais pode deixar passar. Temos que apontar o dedo para o que está errado. Minha mãe ainda me ensinou a enxergar o racismo como ignorância. Quem fala que racismo é ‘mimimi’, de alguma forma, também é vítima da própria sociedade.”
Por ter tido acesso ao sistema privado de educação, Iza reconhece um privilégio que não contemplou muitos de seus amigos do subúrbio. Por isso se contrapõe aos discursos que apregoam o conceito de sucesso por merecimento. “É complicado falar de meritocracia em uma sociedade que nem reconhece os movimentos abolicionistas da época em que a princesa Isabel assinou a abolição. Eu aprendi na escola que a escravidão acabou no momento da assinatura. Parece que a princesa libertou os escravos, quando, na verdade, o que aconteceu foi uma longa batalha travada por lideranças negras. Como é que você é livre sem condição de estudo, moradia e emprego? A gente vive esse reflexo até hoje. Só vamos poder falar em mérito no dia em que zerar o game, quando tiver aqui, ó [gesticula com as mãos na altura do ombro], todo mundo no mesmo patamar.”
Seus méritos como cantora, no entanto, começam a ser reconhecidos além das fronteiras do Brasil. No início de novembro, Iza lançou a música Evapora, gravada em parceria com a americana Ciara. Ela se mostra reticente em traçar projeções para uma carreira internacional, apesar de dizer que, assim como já interpretou em inglês, “adoraria gravar algo em espanhol”. O canal no Youtube que iniciou como amadora acumula quase 3 milhões de inscritos e mais de meio bilhão de visualizações. Mas, em vez de se guiar pelo número de seguidores, a artista descoberta na internet prefere enaltecer métricas semelhantes à indicação a melhor videoclipe com mensagem social, ao lado de nomes como Criolo e Emicida.
“Não vou ser hipócrita de dizer que eu não me importo com views e streaming. Eu gosto de bater top 1 no Youtube, fico muito feliz de ver os fãs consumindo minha música. Mas não pauto a carreira em torno de rede social, que é coisa passageira. E eu quero cantar pra sempre.”
“VASCAIZA”, TORCEDORA QUE JOGA JUNTO
Acostumada a quebrar a internet com lançamentos de novos clipes e canções, Iza se espantou com o aumento repentino de seguidores depois de revelar seu clube do coração. “Como meu pai e meu avô são vascaínos, eu sou Vasco desde muito pequenininha. Comecei sem opção, mas continuei por paixão”, conta a cantora, que já frequentou o estádio de São Januário, além de Maracanã e Engenhão, para acompanhar jogos do time.
Iza exalta o passado do Vasco, que, em sua origem, se tornou referência após divulgar um manifesto em defesa de jogadores negros e pobres, encarado pelo clube como um marco a favor da igualdade racial no esporte. “O fato de ter sido pioneiro em colocar negros para jogar, sem pó de arroz na cara, só fez eu me sentir mais vascaína. A história do clube é muito bonita. Isso tinha que estar em todas as nossas camisas. Todo mundo precisa saber da atitude louvável do Vasco para enfrentar o racismo naquela época.”
Apesar dos ídolos negros que marcam sua história nos gramados e de ter um vice-presidente negro (Elói Ferreira), a composição de dirigentes e conselheiros ainda não corresponde ao discurso de igualdade racial pregado pelo Vasco. Para Iza, o cenário reforça como a discriminação se manifesta na sociedade brasileira. “Não só no futebol, mas em vários outros âmbitos profissionais, é muito raro, infelizmente, ver pessoas negras em cargos de decisão. Diretores, roteiristas, presidentes… É um reflexo do racismo estrutural que a gente vive.”
Logo após tomar conhecimento do apreço da cantora pelo time, o Vasco presenteou Iza com uma camisa personalizada e entrou em contato para saber de seu interesse sobre possíveis participações em campanhas de marketing do clube. Ela brinca que, diante da convocação, não descarta nem mesmo calçar as chuteiras. “Estou muito animada e à disposição do Vasco. Até pra jogar no time, se eles quiserem.”
El País