Ilegal? Especialistas debatem possível venda da SAF do Vasco para a Crefisa

Filho de José Lamacchia, dono da Crefisa, seria um dos investidores interessados em comandar o futebol Cruzmaltino.

Marcos Lamacchia (esquerda) e o presidente do Vasco, Pedrinho (direita)
Marcos Lamacchia (esquerda) e o presidente do Vasco, Pedrinho (direita) Foto: Reprodução/Linkedin e Leandro Amorim/Vasco

A possível aquisição do controle da SAF do Vasco por Marcos Faria Lamacchia, filho do dono da Crefisa, tomou conta das notícias esportivas nesse final de 2025. E, imediatamente, suscitou questões sobre a legalidade do processo, especialmente em função do Palmeiras, que tem na presidência Leila Pinheiro. O Lei em Campo ouviu especialistas que entendem que juridicamente negócio é possível, mas levantam questionamentos relevantes sobre governança, conformidade e integridade esportiva no futebol brasileiro.

Compra seria legal?

Do ponto de vista da legalidade estrita, especialistas ouvidos pelo Lei em Campo afirmam que – em princípio – não há impedimento automático para a operação, desde que sejam observadas as regras legais e do movimento esportivo.

“Sob o ponto de vista da estrita legalidade, é preciso que o clube faça o processo de transição da natureza jurídica respeitando a legalidade e os documentos privados do esporte”, afirma o advogado desportivo e colunista das Lei em Campo Carlos Henrique Ramos.

Na mesma linha, a advogada Ana Mizutori, especializada em direito desportivo, ressalta que a validade jurídica depende do cumprimento rigoroso de requisitos formais e materiais.

“Não há um impedimento automático só por ele ser filho do dono da Crefisa. O principal obstáculo legal, no plano estritamente SAF, é a vedação da Lei da SAF sobre participação cruzada entre SAFs, uma vez que o acionista controlador de uma SAF não pode deter participação direta ou indireta em outra SAF; e mesmo quem tiver 10%+ (sem controlar) e participar do capital de outra SAF sofre restrições de poder de voto e de participação na administração. Nesse caso, questiona-se o grupo dele, via acordo de controle/veículo já controla ou participa de outra SAF? Se sim, pode haver impedimento e necessidade de reestruturação para cumprir o art. 4º e parágrafo único como a CVM detalha. “, explica.

Andrei Kampff, jornalista, advogado e colunista do UOL entende que “do ponto de vista legal, a operação é possível, desde que respeite os marcos normativos do próprio modelo SAF.

“Do ponto de vista legal, a operação é possível, desde que respeite — no processo de transição de associação para SAF — o que traz o estatuto do clube, as regras esportivas, a própria Lei da SAF e a Lei Geral do Esporte”, completa.

Caso configura multipropriedade de clubes?

Por isso, o fato de o Palmeiras ser um clube associativo, enquanto o Vasco está estruturado como SAF, afasta a caracterização automática de multipropriedade formal. A multipropriedade, no entanto, não é analisada apenas pela forma jurídica, mas pela existência — ou não — de controle, influência relevante ou coordenação decisória entre clubes.

Os especialistas alertam para o que traz o art 85 do recém criado Regulamento do Fair Play do Futebol brasileiro, em um conceito que vai além da propriedade do clube.

A SEÇÃO 9 , que trata DA MULTIPROPRIEDADE DE CLUBES, no art Art. 85. “estabelece as regras e vedações aplicáveis à multipropriedade de Clubes, definindo os conceitos de controle e influência significativa, com a finalidade de proteger a integridade das competições e prevenir conflitos de interesse.

O artigo 86, § 2º determina que “Para fins de apuração do controle ou influência previstos no caput, somar-se-ão as participações, direitos de voto ou poderes de veto da pessoa física (ou dos controladores finais da pessoa jurídica) àquelas detidas por seu cônjuge, companheiro(a) ou parentes até o segundo grau (pais, filhos, irmãos)”

Para especialistas, a discussão pode ficar nesse artigo, uma vez que o interessado pela compra do Vasco não é parente direto da presidente do Palmeiras.

“Neste caso, formalmente a operação seria independente da CREFISA e poderia, em tese, driblar a proibição do art. 4o da Lei das SAF’s (multipropriedades), pois o Palmeiras não é uma SAF. Por outro lado, a CBF indicou no recente regulamento do fair play financeiro que equipes pertencentes ao mesmo grupo econômico ou familiar não poderiam participar de suas competições, ressaltando-se a preocupação com possível conflito de interesses. A relação entre o Vasco e a Crefisa já vem despertando certa perplexidade desde o último empréstimo DIP concedido pela instituição financeira. A operação, no limite, ainda que juridicamente possa passar pelo crivo dos órgãos reguladores sob o ponto de vista da imagem, da transparência e da integridade esportiva (o desafio da manipulação de resultados)”, destaca Carlos Henrique.

Além dessa discussão, o caso traz algo também importante para o esporte, a integridade esportiva. É justamente nesse ponto que surge o principal debate jurídico e institucional. O risco, segundo os especialistas, não está no contrato em si, mas no contexto que envolve a operação.

Ana Mizutori aponta que, sob a ótica da conformidade, diversos riscos precisam ser observados.

“Sim, há risco institucional para a integridade do futebol brasileiro, existente mesmo quando a operação é formalmente possível, sob a ótica das regras da CVM e demais normas que dispõem sobre o tema. Os principais vetores residem no risco de percepção integridade e confiança, onde a a simples aparência de mesmo grupo orbitando dois clubes grandes pressiona credibilidade, especialmente em temas como arbitragem, transferências, relações comerciais e eventual disputa direta em competições CBF. A esse respeito, inclusive, a CBF já justificou regras com foco em integridade e credibilidade das competições. Considera-se também o risco regulatório e contencioso, onde adversários podem buscar alegar influência significativa e pedir medidas (inclusive restrições competitivas), gerando insegurança para investimento, além de risco de governança e compliance, ainda que sem “multipropriedade”, aumentando a necessidade de muralhas de informação, regras rígidas de partes relacionadas, transparência de contratos, e desenho contratual que evite gatilhos de influência, fato de extrema vulnerabilidades e sensível no futebol”, afirma.

Andrei Kampff vai na mesma linha:

“O risco maior não é de ilegalidade imediata, mas de fragilização da governança e da confiança no sistema. Operações desse tipo expõem lacunas regulatórias e criam uma zona cinzenta em que a legalidade formal não é suficiente para afastar dúvidas sobre independência competitiva”, analisa.

Segundo ele, o episódio deixa lições claras:

“Entendo que o caso funciona como alerta: alerta para clubes, que precisam blindar sua governança; para investidores, que devem estruturar operações com transparência máxima; e para o sistema esportivo, que precisa evoluir suas regras para acompanhar a realidade das SAFs.”

Os especialistas destacam que a questão da estrutura societária do comprador também será importante para essa análise. A empresa que pode comprar o Vasco pode não ter ligação alguma com a Crefisa ou com alguma empresa que a Leila tenha participação. Nesse caso, a análise seria somente sobre vínculo pessoal dos controladores dos times.

É preciso avançar

Em síntese, a possível compra da SAF do Vasco não configura, por si só, ilegalidade nem violação direta às regras do futebol, tampouco caracteriza automaticamente multipropriedade. Ainda assim, o caso evidencia que, em um cenário de expansão das SAFs, a legalidade formal nem sempre é suficiente para afastar riscos de conflito de interesses, fragilização da governança e questionamentos sobre a integridade das competições.

“É preciso agir preventivamente, evitando que o “fato consumado” iniba medidas posteriores.”, finaliza Carlos Ramos.

Como já apontou o Lei em Campo, o episódio reforça a necessidade de regras mais claras, transparência reforçada e mecanismos efetivos de conformidade, para que o avanço do modelo empresarial no esporte não caminhe mais rápido do que a proteção institucional do próprio futebol. A regra do FPF já trouxe um avançoo importante. Mas caso – segundo especialistas – demonstra que ainda é preciso avancar mais.

Fonte: Uol

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1 comentário
  • Responder

    Se der certo os mulambos e parcerias vão se lascar de raiva. Para eles são só os que merecem.

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