Ex-lateral Max comenta tempo na cadeia e afirma ter ficado 10 dias sem comer
Revelado pelo Vasco da Gama, Max ficou preso por mais de 2 meses após cobrar uma dívida; ex-atleta foi inocentado pela Justiça.
– Agora eu posso dizer que estou aliviado, né, irmão.
Sentado na poltrona de casa dois dias depois do fim do seu maior pesadelo (na segunda-feira foi inocentado das acusações de extorsão e formação de quadrilha pelas quais foi preso no início do ano), Max parece ter tirado uma tonelada das costas. Como se a ficha ainda não tivesse caído. Ele e os amigos João Corrotti Junior e Vinícius Barreto de Souza estão processando tudo que aconteceu nos últimos meses, mas têm certeza com relação a um ponto: ficaram dois meses e quatro dias na cadeia injustamente.
O Ministério Público esta semana reconheceu que as provas são suficientes para enquadrar os três por infração ao artigo 345 do Código Penal (o de fazer justiça com as próprias mãos), um crime de menor potencial ofensivo, e ofereceu um acordo de transação penal que pôs fim ao processo. Eles alegavam desde o início que só foram cobrar uma dívida de Márcio Alexandre Carneiro Varella, a suposta vítima.
Depois do risco de pegar até 10 anos de prisão pelas acusações iniciais, ficou determinado na audiência de julgamento que a punição de Max, Vinícius e João será o pagamento de R$ 1 mil cada. Eles têm até o dia 5 do próximo mês para fazer a transferência.
– Querendo ou não, tinha aquele medo com a possibilidade de voltar para lá (cadeia) – reconhece o ex-jogador Max, que foi solto junto com os amigos em abril para responder em liberdade.
”Por mais que a gente saiba que não fizemos nada demais, responder por acusações pesadas deixava a gente para baixo. Eu estava ansioso pra caramba. O que vai acontecer? O que pode acontecer? A gente nunca imagina passar por uma situação como essa”, acrescenta.
Max, 32 anos, encerrou a carreira de jogador de futebol em 2019, depois de passar pelo Palmas-TO. Ele foi revelado nas categorias de base do Vasco, clube com o qual teve contrato até 2016. Por causa dos sucessivos empréstimos, deixou a equipe com apenas 27 partidas disputadas como profissional e um gol – este marcado numa vitória por 3 a 2 sobre o Goiás, pelo Brasileirão 2010.
Alex Teixeira e Souza, crias da Base Forte que tiveram mais sucesso na carreira, chegaram a ajudar o ex-companheiro custeando os advogados e compartilhando a corrente que pedia justiça aos três presos em fevereiro. Enquanto isso, Max vivia, segundo sua própria definição, ”os piores meses da vida”.
– A gente que é do bem, vive certo, não tenta atrapalhar ninguém, que não faz nada de errado, ser tratado como bandido… O tratamento lá é surreal. Eu fiquei 10 dias sem comer, 10 dias com a mesma roupa. Passei frio, passei fome, não tinha onde dormir. A gente que não está acostumado com isso tomou porrada lá dentro, andou algemado para cima e para baixo. Foi humilhação pra caramba – se recorda ele.
”Única solução foi inventar uma história dessa”
No dia 8 de fevereiro, Max foi até o estacionamento de uma igreja em Botafogo, bairro da Zona Sul do Rio, onde Márcio Alexandre guarda a maioria dos veículos que vende. Márcio tem desde 2013 uma dívida com o ex-jogador de cerca de R$ 20 mil, como ele mesmo reconheceu em depoimento à polícia. Na época, Max entregou a ele um Honda Fit que em seguida foi vendido pelo valor de R$ 30 mil, mas recebeu apenas R$ 10 mil.
Desde então, Max tenta cobrar essa dívida, mas o que dificultou nos primeiros anos foi a distância, já que estava sempre jogando em um lugar diferente. Quando pendurou as chuteiras e voltou a morar de vez no Rio, conseguiu encontrar Márcio algumas ocasiões, chegou a notificá-lo extrajudicialmente, mas sem sucesso. Foi bloqueado diversas vezes, por isso pediu ajuda aos amigos, que fingiram interesse em um dos veículos e marcaram o encontro no início de fevereiro.
– Ele não quer pagar realmente, como não pagou até hoje. Como não desisti de ir atrás do que é meu por direito, ele pensou: ”A única solução que eu tenho é inventar uma história dessa”. Ele inventou, e os policiais acreditarem nele – afirma ele em entrevista ao ge.
Márcio contou em depoimento que foi recebido com truculência pelos amigos, que um deles mantinha a mão em uma pochete simulando estar armado, que Max quebrou o vidro de um dos carros no meio de uma discussão violenta e que foi conduzido contra sua vontade até um cartório para passar um veículo, um Renault Sandero, para o nome do ex-jogador. Como o cartório estava fechado, combinaram de se encontrar no mesmo lugar no dia seguinte pela manhã.
Antes do horário marcado, ele foi até a 10ª Delegacia de Polícia, em Botafogo, para denunciar uma tentativa de extorsão. Disse, entre outras acusações, que teve o celular e o carro roubados. Max e Vinícius foram presos em flagrante na fila do cartório. João, por sua vez, estava do lado de fora, dentro do carro.
A imagem das câmeras de segurança provaram que não houve agressão e que Max não quebrou o vidro de um dos veículos, como afirmou Márcio à polícia. O Ministério Público concluiu que ”os acusados tentaram cobrar dívida, ainda que de forma truculenta e violenta”. O ex-jogador garante que nem isso aconteceu.
– Eu já tinha encontrado ele outras vezes. Não era amigo dele, mas a gente tinha uma ”amizade”, vamos dizer assim. Quando conheci ele, eu estava na época do Vasco, ele pedia ingresso para jogo, dei camisa para ele, para o filho dele. Ele me ligava direto para falar de jogo e tudo mais – conta.
– O que aconteceu lá não foi nada, não teve nem uma agressão sequer, nem um tapa sequer. Ele falou que eu sequestrei ele, roubei celular… A gente sai da igreja e vai para o cartório, era umas 17h e pouca já. Tinha um cartório dentro do shopping. Se eu tivesse sequestrado ele ou algo do tipo, não ia pegar ele e levar para o shopping, está entendendo? Fui para o Botafogo Shopping com ele. Tipo, que sequestro é esse? Chegamos lá, tinha um segurança fardado. Foi o cara que passou a informação para a gente. Como ele alega uma situação dessa? Se o cara está sendo sequestrado, a gente não ia ter uma conversa com um segurança – raciocina ele.
Márcio contou à polícia que teve o celular tomado da sua mão no momento em que tentou discar o 190, ainda durante a discussão no estacionamento. Max explica, por sua vez, que foi uma sugestão do próprio Márcio deixar o celular com ele como garantia de que iria voltar no dia seguinte para concluir a transferência do veículo.
– Nesse momento, na minha opinião, ele já estava com alguma maldade na cabeça, estava articulando alguma coisa. Eu fui inocente e acabei caindo.
O ge tentou contato com Márcio no telefone informado por ele à polícia, mas não teve sucesso. As mensagens também não foram respondidas.
”Assume logo, vou acabar com sua carreira”
Márcio prestou dois depoimentos no dia da prisão dos amigos, um às 9h11 e outro às 12h52. No segundo, acrescentou sobretudo a informação de que recebeu ameaças de Vinícius por meio de mensagens antes de chegar ao cartório. ”TA NO CARTORIO?”, ”JA PASSEI DUAS VEZES E NÃO TE VI” e ”SE TIVER DE TROIA É CONTIGO MESMO” foram algumas relatadas por ele.
Essa informação ajudou a sustentar a prisão em flagrante, como é possível ver em um trecho da decisão da juíza Monique Corrêa Brandão dos Santos na audiência de custódia ocorrida no dia 11 de fevereiro: ”Não há que se falar em ausência de flagrante do delito, já que, conforme bem explicitado […], as ameaças perpetradas pelos custodiados, iniciadas no dia 08/02/2022, estenderam-se, através de mensagens, até pouco tempo antes da caputra realizada pelos policiais civis”.
Max acredita que possa ter havido uma orientação por parte dos policiais para que Márcio prestasse o segundo depoimento.
– A todo momento, desde que o policial me algemou e tudo mais, eu estava falando: ”Cara, não é isso, não sei o que passaram para vocês, estão prendendo a pessoa errada, o errado aqui é ele”. Tudo que eu falava não adiantava nada, não tinha argumento. Ele deu dois depoimentos no mesmo dia. No segundo, ele pode ter sido orientado por outra pessoa. Qual pessoa orientou ele a fazer isso? Não tem como achar, acusar alguém – lamenta ele, antes de acrescentar:
”Mas uma coisa eu posso falar: foi muito estranho, muito estranho”.
Poucas horas depois da prisão, a imagem de Max sendo fichado na delegacia, com uma camisa branca e uma bermuda floral azul, já circulava pelos principais sites de notícia e telejornais.
– O policial me ameaçou com relação a isso. Quando cheguei na delegacia, ele: ”Você vai assumir? Assume logo, se não assumir vou jogar na mídia sua foto, vou acabar com sua carreira”. Falei que não tinha o que assumir, minha palavra era uma só. Ele ficava dizendo: ”Não sei se ainda dá tempo de sair no RJ primeira edição, mas no da noite é certo de sair” – acusa Max.
O ge tentou contato com a Polícia Civil do Rio de Janeiro por meio de assessoria de imprensa para comentar o caso, mas não houve resposta até o fechamento da reportagem.
”Minha filha perguntou se eu tinha virado estrelinha”
Para Max, a parte mais difícil dos mais de dois meses que ficou na cadeia foi ficar longe das filhas Maria Eduarda, de oito anos, e Manuela, de cinco. As duas são muito apegadas a ele e obviamente começaram a fazer perguntas depois que o pai simplesmente desapareceu.
– Por mais que eu viaje para jogar, essas coisas todas, estou sempre com o telefone, falo com elas todos os dias. Do nada eu sumi. ”O que que aconteceu? Cadê meu pai? Não consigo falar com o meu pai”. Mãe delas falou que eu estava viajando e que o telefone estava estragado. Mas, como sai na mídia, muita gente falando, minha filha mais velha até percebeu. Ela ficou um tempo sem comer, não conseguia dormir direito, não conseguia ir para a escola, perguntando do pai toda hora – conta ele.
”Quando chegou essa notícia lá dentro para mim foi um momento muito pesado. Chorei pra caramba, sofri pra caramba. O ápice dessa situação foi saber que minhas filhas aqui fora estavam sofrendo sem eu poder fazer nada”, acrescenta.
Maria Eduarda, a mais velha, pensou que o pai havia morrido.
– A minha mais velha chegou até a perguntar para a mãe dela se eu tinha virado estrelinha. Foi pesado demais escutar isso.
A situação só melhorou quando Max seguiu a sugestão de uma psicóloga e escreveu da cadeia uma carta para as filhas com detalhes íntimos da relação entre eles, para que elas soubessem que somente o pai poderia ter escrito. ”Deu uma amenizada, ali eu pelo menos consegui mostrar para elas que eu não tinha virado estrelinha”, se emociona ele.
Fonte: Globo Esporte