Emir do Catar queria o Vasco no Mundial de Clubes no lugar do Flamengo

Vascaíno, Tamim bin Hamad al-Thani, o emir, líder máximo do Qatar, queria o Gigante no lugar do Flamengo no Mundial de Clubes.

O imaginário ocidental fantasia a respeito da vida de sheiks, emires e príncipes do Oriente Médio. No Qatar, um brasileiro conseguiu, através do futebol, chegar o mais perto possível da intimidade da família real. Há quase 13 anos, Márcio Souza, então ex-preparador físico da seleção qatari, recebeu um convite inusitado: ser personal trainer de Tamim bin Hamad al-Thani, o emir, líder máximo do Qatar. Desde então, passa uma hora e meia por dia com o governante do país, criando um vínculo que lhe permite saber de detalhes da paixão do soberano pelo futebol, com direito a torcida por um time carioca.

— Ele está ansioso pela chegada dos torcedores do Flamengo, espera que façam uma grande festa. Mas ele gostaria que fosse o Vasco. No Brasil, ele é vascaíno — revela Márcio.

A ligação entre o governo do Qatar e o futebol é notória. Por exemplo, através da compra do Paris Saint-Germain. Al-Thani, ex-jogador de tênis e ex-presidente do comitê olímpico qatari, se encantou pelo time do Vasco que tinha Edmundo e Romário, em 2000, assistindo pela TV ao Mundial de Clubes. No entanto, sua ligação maior é com o Al Sadd, clube presidido por seu irmão, e com o PSG, propriedade do fundo soberano do Qatar.

— Mas ele acompanha todas as ligas do mundo — conta o personal trainer.

O sonho de Márcio era viver do futebol, o que quase o fez recusar o convite. Hoje, percebe que tirou a sorte grande. A começar pela remuneração muito acima do mercado.

— Não é a cultura saudita, em que o sheik te dá um relógio de presente. Mas tenho uma casa que poucos estrangeiros têm. Até o combustível eles pagam. A cada dois anos dão um carro novo — conta ele, que chegou para a entrevista numa caminhonete Porsche. — Mas acima do material, ele me dá o reconhecimento que um profissional pode querer. Dou o sangue por ele.

A rotina inclui acompanhar al- Thani também em viagens, o que estreitou laços. Ele recebeu recomendações para ser discreto quanto a detalhes da vida pessoal da família e da vida no palácio. Segundo Márcio, “para não misturar as bolas”, prefere atender apenas “al- Thani e a primeira dama”, embora este seja um conceito um tanto elástico — o Emir tem três esposas, cada uma vivendo em uma casa dentro do complexo palaciano. A cada noite, al-Thani dorme na casa de uma. Mas Márcio trata por primeira dama Sheika Jawahir bint Hamad al-Thani, prima do Emir, com quem tem um bisavô em comum. Quando alguma das outras mulheres quer um treinamento, Márcio prefere indicar outro profissional.

Não pode falar árabe

Não é ele o único brasileiro a conviver com os soberanos qataris. Há 13 anos, Alethea Thomas mudou-se para o Qatar após concorrer a uma vaga como aeromoça da família real, dona de cinco aviões de grande porte para suas viagens. Um dos requisitos para o emprego era não falar árabe, justamente para não entender as conversas da família nos voos.

— Doha era só deserto na época. Minha mãe dizia que eu iria ser sequestrada. Era um lugar desconhecido — recorda Alethea.

Ela teve que passar pelo difícil período de adaptação para uma mulher mudando-se sozinha para o Oriente Médio.

— O choque cultural não é só a vestimenta, ter que cobrir pernas, ombros. A cultura árabe é feita para o homem. E o dia a dia envolve reaprender a se comportar, todo o gestual. A mulher não deve sorrir para um desconhecido, pode ser interpretado como uma abertura excessiva — diz ela, que acabara de chegar de Ruanda.

Alethea passou a viver em função dos deslocamentos do núcleo familiar, inclusive para eventos como Copa do Mundo, Jogos Olímpicos e a última Copa América no Brasil, em que o Qatar competiu como convidado. Nas viagens, a equipe de comissários, hoje comandada por ela e toda composta por estrangeiros, aprende a respeitar a cultura local.

— Não pode, na época do Ramadã, aparecer um tripulante comendo na hora do jejum. E precisamos ter discrição. Não posso falar sobre eles, há uma distância hierárquica, mas o tratamento deles conosco é fantástico, um respeito enorme — afirma Alethea, que vive em um bairro de luxo na região de Doha conhecida como Pérola, um arquipélago artificial que começou a ser construído em 2004 ao custo estimado de US$ 15 bilhões.

O Globo Online

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