Conheça detalhes da briga envolvendo Vasco, Flamengo e Fluminense pelo Maracanã

Vasco da Gama, Flamengo e Fluminense tem travado uma batalha nos bastiodres para poderem administrar o Maracanã.

Estádio do Maracanã
Estádio do Maracanã (Foto: Arquivo/Prefeitura do Rio)

Em abril de 2019, o Governo do Estado do Rio de Janeiro fez acordo com Flamengo e Fluminense para cessão temporária de 180 dias do Maracanã. Na ocasião, a promessa foi de realizar novo edital para licitar o estádio, que custou mais de R$ 1,3 bilhão na reforma para a Copa de 2014 – quando ficou fechado entre meados de 2010 e até 2013.

Depois de quase 1.500 dias, os dois clubes seguem com a administração do estádio – a última renovação do contrato de TPU saiu no Diário Oficial do Governo do Estado nesta quarta-feira. Nesta quarta-feira, a Justiça negou liminardo Vasco, que tentava interromper o atual TPU.

Mas, afinal, o que é TPU? Por que o Vasco quer gerir o estádio? Qual é o motivo da briga com Flamengo e Fluminense, que têm renovações seguidas sem concorrência por um estádio público?

O ge responde a algumas das principais questões que envolvem o antigo Maior do Mundo.

O que é TPU?

Termo de Permissão de Uso ou Termo de Permissão Onerosa de Uso de Bem Público é considerado “instrumento precário” de utilização de bem público. O que quer dizer: cessão por tempo curto e limitado do estádio do Maracanã – e do Maracanãzinho – e da exploração de bares, estacionamento e camarotes. No caso do Maracanã, os TPUs têm duração de 180 dias cada.

Por ser temporário, o TPU não exige muito mais do que investimentos mínimos de conservação e manutenção do estádio. Diferentemente de licitação prevista para 20 anos no Maracanã, na qual os permissionários podem prever altos investimentos e receber dividendos de volta nas diversas formas de receita.

Sem abrir balanços, a comunicação do Maracanã, da dupla Fla-Flu, divulgou que foram gastos R$ 100 milhões em quatro anos – valor referente a manutenção e melhorias diversas no estádio. O ge noticiou que, em 2021, estudo foi contratado para identificar problemas na cobertura e fez intervenções de cerca de R$ 2 milhões – de acordo com o diretor geral do estádio.

Quantos TPUs Flamengo e Fluminense já assinaram?

O primeiro TPU foi assinado em abril de 2019. Na ocasiao, o Governo do Estado rescindiu o contrato com a Odebrecht por dívida calculada em R$ 40 milhões. Houve diversos pontos de conflito – como mudanças no escopo da exploração do bem público – ao longo do contrato entre Poder Executivo do Rio de Janeiro e a empresa que depois esteve no centro da Operação Lava Jato.

São ao todo nove TPUs assinados desde abril de 2019 – cada um com duração de 180 dias. Os últimos oito com renovações automáticas. Em nenhum deles houve concorrência pública – ou chamamento público, como recomendou o Tribunal de Contas do Estado.

O corpo instrutivo do TCE considerou uma “situação emergencial fabricada” as justificativas do Governo do Estado para renovar seguidamente com os mesmos clubes. Houve recomendação de suspensão do TPU e não renovação, mas em votação de plenário os conselheiros do TCE não se opuseram às mais recentes renovações.

O Governo do Estado do Rio de Janeiro não prestou esclarecimentos detalhados sobre a renovação constante dos contratos temporários com Fla e Flu. Limita-se a responder que “seria contraproducente” realizar “uma licitação dentro de outra licitação”. Na ação do Vasco na Justiça, contra a renovação de TPU celebrada nesta semana, o governo defendeu o acordo com Flamengo e Fluminense.

Quanto Flamengo e Fluminense pagam de outorga no Maracanã?

O custo estabelecido no TPU é de R$ 199 mil fixo por mês, mais mínimo de cerca de R$ 65 mil referentes à visitação e à exploração do museu do estádio.

Na licitação futura, o custo mínimo vai ser de R$ 416 mil mensais. Caso já estivessem valendo estes valores ao longo desses 48 meses de TPU, o Governo teria arrecadado R$ 10 milhões a mais para os combalidos cofres do Estado.

Quanto custou a reforma do Maracanã? Quem pagou por ela?

A proposta vencedora da licitação de 2013 – também contestada na época por órgãos de fiscalização – foi do Consórcio Odebrecht, que ofertou R$ 705 milhões. A oferta mínima era de R$ 600 milhões. No fim das contas, a reforma do estádio para a Copa do Mundo custou aos cofres públicos mais de R$ 1,3 bilhão.

Além do Governo do Estado, o BNDES (banco público federal) aportou R$ 400 milhões na reforma do Maracanã. Foram realizados pelo menos 11 aditivos contratuais, encarecendo ainda mais as obras.

Quando o Vasco entrou na disputa? O clube já era SAF?

O Vasco realizou a primeira reunião com o Governo do Estado para manifestar interesse em participar da gestão do Maracanã no dia 6 de abril de 2021, em reunião do presidente do Vasco, Jorge Salgado, do vice-presidente Carlos Osório e do governador Cláudio Castro.

Na ocasião, o TPU em vigor com a dupla Fla-Flu venceria no fim do mês de abril daquele ano. Desde a manifestação pública do Vasco em entrar na gestão, foram cinco renovações automáticas sem concorrência pública com Fla e Flu. Ou seja, sem o Vasco ter a chance de fazer sua oferta.

Diferentemente do que disse o presidente do Fluminense, Mario Bittencourt, o interesse é anterior ao Vasco se tornar SAF. A primeira notícia sobre entendimentos do Vasco com os investidores americanos da 777 Partners é de fevereiro de 2022 – a venda se consolidou em setembro de 2022.

Qual é o interesse do Vasco?

O clube de São Januário tem aporte da 777 Partners, que manifestou desejo de aumentar receitas com bilheteria e em dias de jogos. O que hoje é limitado em seu estádio particular que recebe, no máximo, 22 mil pessoas e pouco se aproxima de renda na ordem de R$ 1 milhão em bilheteria – o que aconteceu recentemente na eliminação da Copa do Brasil para o ABC-RN, quando o clube aumentou o preço dos ingressos, sob protestos da torcida.

Em comparação, o Flamengo arrecadou em 2022 cerca de R$ 150 milhões com receitas de jogos, contra apenas R$ 30 milhões do Vasco.

Flamengo e Fluminense batem na tecla de que o Vasco vai usar o Maracanã para realizar shows. Recentemente, em entrevista ao podcast “La Prévia”, o colombiano Juan Arciniegas, um dos dirigentes da 777 Partners, disse que a ideia é sem ampliar a utilização do estádio, além dos jogos de futebol. Arciniegas disse que há formas variáveis de aumentar a receita “utilizando estádios ao seu máximo, utilizando 365 dias do ano, no lugar de utilizar uma vez a cada duas semanas, como acontece ao redor do mundo”.

Até hoje, o Vasco – que desde que o início de processo de SAF não publica mais balancetes financeiros nem o balanço patrimonial de 2022 – não se manifestou de maneira clara sobre o assunto, embora já tenha expressado que a prioridade seria o futebol e que “O Maracanã é de todos”, nome da parceria com a WTorre e a Legends. Como ainda utilizaria São Januário em diversas partidas, o clube permitiria jogos dos rivais no Maracanã.

Por que Flamengo e Fluminense e Vasco brigam?

Uma resposta mais longa poderia exigir a volta em décadas para explicar a centenária rivalidade, mas basicamente se trata de parte de disputa de território e parte de questões técnicas – o eterno caso dos prejuízos ao gramado de estádio que pode receber dois, três jogos por semana.

Flamengo e Fluminense não mandam jogos em seus estádios particulares desde os anos 1990 – nem na Gávea nem nas Laranjeiras. Nos últimos anos, já atuaram como mandantes no Nilton Santos, na Ilha do Governador, no campo da Portuguesa, em Edson Passos, no campo do América, e no Raulino de Oliveira, em Volta Redonda – sem contar jogos fora do estado do Rio por opção financeira.

Os clubes firmaram, portanto, parceria para administrar o Maracanã em conjunto. O Flamengo tem a posição de permissionário pois tem certidões negativas de débito com o Governo – o Fluminense não possui, por isso entra como interveniente anuente do contrato.

O Vasco fez proposta de mandar 15 jogos por ano no Maracanã, com 20 para o Fluminense e 35 para o Flamengo – isto dentro dos moldes de 70 jogos por ano, o mínimo exigido pelo edital de licitação do Maracanã. Mas nunca houve acordo. Os vascaínos até tiveram algum entendimento com os dirigentes do Flamengo, mas tinham que se acertar com os tricolores. O que nunca esteve perto de ocorrer.

Por que a Justiça dá ganho de causa ao Vasco para jogar no Maracanã?

Esta resposta é simples. No contrato de TPU, consta entre as obrigações do permissionário – no caso, o Flamengo – o seguinte:

“fica vedado… favorecimento a uma ou mais de uma agremiação clube… por meio de oferta de utilização exclusiva ou preferencial do Complexo, em especial, do Estádio Jornalista Mário Filho”. Ou seja, quando não houver conflito de datas e por meio de aluguel cobrado, como hoje acontece, qualquer outro clube que não seja Flamengo ou Fluminense deve ter o direito sempre de atuar no Maracanã.

Qual é o potencial de receita do Maracanã?

Os relatórios mais recentes do governo estadual são de 2020. Eles mostram equipamento público com potencial de lucro e que gera receita de pelo menos R$ 40 milhões por ano.

O “custo Maracanã”, para operação do estádio, de acordo com o mesmo relatório, é de quase R$ 26 milhões por ano – e variou pouco com a cessão de uso recente para a dupla Flamengo e Fluminense. De acordo com estudo técnico de viabilidade apresentado pelo Governo do Estado, o custo caiu 10% em média por jogo principalmente em razão da renegociação de contratos de alguns fornecedores.

O estudo do Governo também aponta que “todos os jogos com menos de 22 mil pagantes foram deficitários, independentemente do valor do ticket médio (que variaram de R$ 20,00 a R$ 37,80)”.

Entre as principais fontes de receitas do Maracanã atualmente estão as seguintes linhas:

  • Camarotes – mais de R$ 20 milhões
    *Aluguel de clube 1 – R$ 2,7 milhões por ano
    *Aluguel de clube 2 – R$ 2,7 millhões por ano
    *Nestes casos, consideram-se Flamengo e Fluminense.
  • Aluguel de clube 3 (como o Vasco) – R$ 900 mil
    Dois shows de grande porte – R$ 2 milhões
    Dois shows de médio porte – R$ 1 milhão
    Patrocínios – R$ 780 mil
    Aluguel concessões bares e bebidas – R$ 1 milhão

Por que a licitação está parada? O que o TCE quer?

A licitação está parada desde 26 de outubro do ano passado, quando o conselheiro Marcio Pacheco, do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE), determinou a suspensão do processo 48 horas antes das propostas serem apresentadas.

O Vasco questiona a suspensão por parte do TCE, que ocorreu dois dias após o clube manifestar seu interesse na disputa da licitação ao anunciar parcerias com a WTorre e a Legends.

A Casa Civil de Claudio Castro tem até o próximo sábado (dia 29) para responder a questionamentos e prestar mais esclarecimentos sobre o edital.

Há questionamentos sobre:

  • metodologia, considerada inadequada, para definição do valor de outorga.
  • prazo injustificado da concessão (20 anos);
  • irregularidade na definição de receitas ordinárias e extraordinárias;
  • ausência de avaliação das fontes de receitas;
  • impropriedades na definição de “caso fortuito”;
  • exigência cumulativa de garantia de proposta e de capital social mínimo;
  • irregularidade na indicação de parcelas de maior relevância;
  • reservas de camarotes e estacionamento ao governo estadual sem justificativa técnica;
  • irregularidades na previsão do verificador independente
  • irregularidades no sistema de avaliação de desempenho;
  • elevado peso atribuído para a proposta técnica;
  • irregularidades nos critérios de desempate;
  • irregularidades no julgamento “melhor técnica”;
  • irregularidades na taxa de desconto do projeto.

Entre as recomendações, algumas o Governo já sinalizou mudanças, como a ligeira diminuição do peso muito maior da proposta técnica à financeira – a pontuação do número de jogos (70), que favorece a candidatura de dois clubes em detrimento de um, segue sendo preponderante acima da proposta financeira. O TCE, ao mesmo tempo, já definiu como “mérito administrativo” os benefícios de camarotes, estacionamentos e ingressos a custo do futuro concessionário.

A previsão atual do governo é de lançar o edital em 40 dias. Caso haja vencedor da licitação durante o atual TPU de 180 dias, válido até o fim de outubro, o vínculo se interrompe.

Fonte: Globo Esporte

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