Conheça a história de Anderson Conceição, que volta ao Vasco após 16 anos
O zagueiro Anderson Conceição volta ao Vasco da Gama 16 anos depois de iniciar sua carreira, e realiza sonho da família.
Apresentado como reforço do Vasco na última quarta-feira, Anderson Conceição roubou a cena no momento em que se emocionou recordando sua passagem pela base do clube e o esforço feito pela mãe, Manuelina Falcão Conceição, a Nely, para que ele conseguisse sair do Sul da Bahia e ir até o Rio de Janeiro fazer teste. Anderson, 32 anos, é vascaíno e vai realizar um sonho não só seu, mas de toda sua família.
A possibilidade de defender o Vasco passou a ser ventilada ainda no decorrer da temporada passada, quando o zagueiro perdeu espaço no Cuiabá – ele jogou apenas 11 partidas no Brasileirão. No Dourado, Anderson tinha a estabilidade de mais um ano de contrato e o carinho da torcida após 100 jogos pelo clube, boa parte deles com a braçadeira de capitão. Conquistou a Copa Verde em 2019 e foi peça fundamental na campanha do acesso em 2020.
Além disso, toda vez que Maurício Nassif, seu empresário, tocava no assunto, ele respondia: “Boss, eles lá já têm o (Ricardo) Graça e o (Leandro) Castan, não dá para ir agora”. Nassif é amigo de Anderson Conceição há mais de uma década e conhece bem a relação do zagueiro com o Vasco, mas foi pego de surpresa com as lágrimas e as declarações emocionadas na coletiva de apresentação. “Nunca imaginei que ele fosse contar isso”, confessa.
Com a transferência de Graça para o futebol japonês e a notícia de que Castan iria sair (ele está treinando separado do grupo enquanto negocia sua rescisão), começaram as conversas com o Vasco. Mas não foi uma negociação simples: a primeira proposta do clube cruz-maltino foi baixa diante do que o Cuiabá esperava receber para liberá-lo um ano antes do fim do contrato.
Mas, à medida que os dias foram passando, Cristiano Dresch, vice-presidente do Dourado, se convenceu de que a saída do zagueiro seria o melhor negócio e facilitou as tratativas. O Vasco subiu a oferta, possibilitando o acerto da rescisão. E as partes entraram em um acordo.
Era noite do dia 16 de dezembro, Anderson estava de férias em Toronto, no Canadá, com a esposa Aline e os dois filhos, Anna Luísa, de 11 anos, e Arthur, de sete. Ele tirou uma foto em frente à CN Tower, badalado ponto turístico da cidade, segurando nas mãos a camisa do Vasco, enviou para Dona Nely e escreveu:
“Mãe, fechado! Vou voltar para casa”.
Graças à mãe
Anderson Conceição nasceu em Caravelas, mas foi criado em Nova Viçosa, cidade-natal da mãe para onde se mudaram depois do fim do primeiro casamento. Os dois municípios ficam no extremo Sul da Bahia. Nely, 49 anos, contou ao ge que o filho sempre gostou de bola e que a ideia de se tornar jogador de futebol amadureceu depois do pentacampeonato na Copa do Mundo de 2002, quando ele tinha 11 anos.
– Com os jogos da Copa de madrugada, eu acordava e ele já estava acordado assistindo, não perdia um jogo, não importava a hora que passava. Ali eu já sentia que ele queria isso para a vida – explica ela.
Pouco depois da Copa, ainda em 2002, Anderson insistiu para participar de uma peneira realizada na cidade e foi o único entre mais de 70 meninos a ser aprovado. O olheiro disse que dali a dois dias iria levá-lo para o Campo Grande, no Rio de Janeiro, mas Nely, dividida entre o desespero de deixar o filho menor de idade ir embora e a compreensão de que era seu sonho, conseguiu adiar em alguns dias esse prazo para que pudesse organizar as coisas: “Não era bem assim, não podia entregar ele na mão de qualquer um”. E pôs-se no ônibus junto com o filho numa viagem de aproximadamente 15 horas só para conhecer as instalações e ter certeza de que ele seria bem tratado. Em seguida, voltou para casa com o coração apertado.
Dos 11 aos 13 anos, Anderson treinou no Campusca e morou num alojamento providenciado pelo clube, mas em um determinado momento as atividades da sua categoria foram encerradas e ele precisou voltar para Bahia. Nely viu que precisava fazer alguma coisa diante da frustração estampada na cara do filho e procurou o mesmo olheiro que o havia levado antes. Como resposta, soube da possibilidade de um teste no Vasco, mas dessa vez ela não teria ajuda com o dinheiro da passagem.
– Para mandar ele para lá tive que trabalhar em três serviços para juntar dinheiro e comprar a passagem. Eu não podia ir dessa vez, tinha que trabalhar e já tinha os outros dois filhos pequenos. Eu trabalhava numa casa de família, numa lanchonete, cuidava da minha casa e ainda limpava peixe para vender na feira aos domingos – recorda ela.
Já prestes a completar 15 anos, Anderson Conceição não fazia a menor ideia dos planos da mãe. Nely conseguiu juntar o dinheiro, comprou a passagem e entregou ao filho: “Você viaja amanhã”. Junto da euforia, veio o discurso pés no chão de que ele deveria agarrar essa oportunidade com unhas e dentes, que só o que ela poderia fazer era dar o empurrão inicial. Dali em diante, tudo dependeria dele. Anderson, então, prometeu que só retornaria quando se tornasse jogador profissional.
Ele foi aprovado nas avaliações e passou a ser jogador da base do Vasco. Fez parte da geração que tinha Alex Teixeira, Alan Kardec e companhia. Morou no alojamento de São Januário. Enquanto isso, longe do filho mais velho, sua mãe sofria bastante e chegou a ser diagnosticada com depressão. “Mas valeu a pena”, garante ela. A única vez que foi ao Rio nos dois anos em que Anderson jogou no Vasco foi no aniversário dele de 16 anos, quando Nely viajou de surpresa com as passagens pagas pelo empresário.
No antebraço esquerdo, o zagueiro carrega com orgulho a homenagem a quem tornou possível o seu maior sonho: “Minha mãe, minha vida…”
Anderson não chegou a completar sua formação no Vasco. Em vez disso, foi jogar na base do Santos e só estreou como profissional no Mogi Mirim, já em 2009. Mas ele sempre confidenciou à mãe e aos amigos mais próximos o desejo de voltar a vestir a camisa do time do coração.
Sonho dele e da família
Andarilho da bola, Anderson Conceição rodou por quatro países jogando futebol e passou por mais clubes do que os dedos das mãos podem contar. Mas abriu a coletiva na quarta-feira respondendo que o Vasco era o maior desafio de toda sua carreira.
– Por ser vascaíno, por ter família vascaína – justificou.
O amor pelo Vasco, claro, foi passado pela mãe. A história nem é lá grande coisa: Nely aprendeu a gostar do clube por meio de brincadeiras na época de escola, mas o sentimento virou coisa séria anos mais tarde, a ponto de passá-lo para os três filhos. Anderson (o mais velho), Emerson e William (os dois últimos frutos do segundo casamento) são vascaínos.
Quando enviou a foto para a mãe dizendo que havia fechado com o Vasco, o zagueiro impôs apenas uma condição: ela ainda não poderia “contar aos meninos”. Ele sabia que os irmãos não iam se aguentar – William, o caçula, por exemplo, é torcedor fanático, participa de grupos de debate e interage frequentemente com outros vascaínos. Ele foi quem mais insistiu e passou dias tentando arrancar informações, principalmente depois que a possibilidade da transferência passou a ser veiculada em sites de notícias, mas Anderson e Nely sempre desconversavam.
Mas quando não havia mais como negar, William, empolgado, se divertiu em um áudio enviado ao irmão.
– Eu falei para onde você ia ir antes que você soubesse para onde você ia, você entendeu? Eu cantei a pedra, pô… ‘tá’ ligado. Rapaz, será que ainda dá tempo de você pegar um autógrafo de Cano para mim, véi?
Não deu tempo: Anderson se apresentou ao Vasco no dia 3 de janeiro, quando Germán Cano já havia ido embora. Em compensação, William não vê a hora de viajar para o Rio e realizar o sonho de ver pela primeira vez um jogo do Vasco na arquibancada de São Januário.
O coração da mãe vive o mesmo êxtase, embora ela se contenha mais que o caçula. Desde 2005 Nely não mora mais em Nova Viçosa: ela se mudou para Porto Seguro com os dois filhos ainda pequenos, em busca de melhores oportunidades de trabalho. Em 2012, quando Anderson Conceição foi jogar no Mallorca, da Espanha, ela ganhou de aniversário de 41 anos sua casa própria e conseguiu sair do aluguel. “Hoje em dia ele está retribuindo tudo, graças a Deus. É um grande filho, um grande pai, um grande irmão…”, se orgulha Dona Nely, que arrisca uma previsão no melhor sotaque baiano:
– Nós vamos levantar esse Vascão, em nome de Jesus!
Fonte: Globo Esporte