Andrey Santos comemora convocação, fala de Vasco e reencontro com o Flamengo
Convocado por Carlo Ancelotti, Andrey Santos celebra mais uma passagem pela Seleção Brasileira e cita o Vasco da Gama.

O verbo marcar e sua variações são indispensáveis para contar a trajetória de Andrey Santos, convocado por Ancelotti para a próxima Data Fifa. Marcou muitos gols desde a base do Vasco e a vida dos familiares com o que o futebol lhe proporcionou. Marcado ficou o período de dificuldades no Nottingham Forest como lição, e marcas hoje são colecionadas por um camisa 5 artilheiro. Só faltava a ele um sentido da palavra: o de marcação aos adversários. Não falta mais.
– Eu acho que mudei um pouquinho. Eu era 8 no Vasco, pisando na área o tempo todo, até porque tinha o Yuri Lara, que me ajudou muito. Costumo dizer que aprendi a marcar na Europa. Acabo virando um 5, que na Europa a gente fala 6, mas com um pouco mais de liberdade para sair. Me defino como um primeiro volante com um pouco mais de liberdade. Me sinto mais à vontade jogando de primeiro volante, mas é claro que consigo jogar como segundo ou como meia.
Mas a reinvenção de Andrey, destaque do Strasbourg na última temporada, não foi simples e nem sempre referiu-se a posicionamento. Começou no Nottingham Forest, primeiro clube europeu para o qual o Chelsea, detentor de seus direitos econômicos, o emprestou. Aos 19 anos, o sonho de ter sequência na Premier League foi frustrado. Foram apenas dois jogos em quatro meses. Ali começava a ganhar casca.
– Foi muito difícil, confesso, mas já sabia que seria difícil desde o início por experiências que outros jogadores passaram para mim. Conversaram comigo de que a adaptação em si é muito difícil, ainda mais quando chego na Europa com 18 para 19 anos, especialmente na competição de mais alto nível da Europa, que é a Premier League. Passei momentos difíceis no Nottingham (Forest), fui emprestado e acabei não jogando, mas estava sempre indo bem. Esses seis meses que passei lá pareceram seis anos.
– Mas a todo momento estava trabalhando e me sentindo bem para poder jogar. Agradeço a Deus pela esposa que eu tenho, por sempre ter me ajudado e dado confiança, falando para eu nunca abaixar a cabeça e para ficar pronto para quando a oportunidade chegasse. Graças a Deus a oportunidade chegou, não na Inglaterra, mas na França, e eu pude agarrar com muita humildade. Hoje vejo que esse processo em Nottingham me ajudou a amadurecer muito para me tornar um homem e um jogador melhor.
A França chegou à vida de Andrey em fevereiro de 2024. Os primeiros meses também foram difíceis, o idioma inicialmente apresentou-se como barreira, mas tudo mudou a partir do segundo semestre. O ex-vascaíno, mesmo jogando como um 5, virou artilheiro e garçom, com 11 gols e quatro assistências. Dentro do Strasbourg, somente o centroavante Emegha marcou mais vezes (14). A fase goleadora, aliás, foi profetizada por duas pessoas fundamentais na vida dele: a mãe (Jordânia) e a esposa (Yngryd).
– Acho que foi incrível, a melhor temporada da minha vida. No Vasco, eu terminei com oito gols, mas sem nenhuma assistência. E essa temporada (na França) eu terminei com 11 gols e quatro assistências, a primeira temporada completa na Europa. Confesso que não esperava que seria desse jeito, mas muita gente continuou acreditando em mim, como a minha esposa e a minha mãe, que falaram que eu faria mais de 10 gols. Por vezes eu duvidava, confesso, e graças a Deus elas acertaram. Fico muito feliz por ter feito minha melhor temporada na Europa.
Andrey tem pela frente uma nova oportunidade na Inglaterra. O Chelsea, clube que o contratou em janeiro de 2023, o convocou para a disputa da Copa do Mundo de Clubes. A competição lhe dá a chance de se firmar nos Blues e reencontrar um rival que traz boas recordações do tempo de protagonista no Vasco, o Flamengo. A família e os amigos já cobram um golzinho contra o eterno adversário.
– Acho que é um bom reencontro, até por ser um rival. Já conheço um pouco, já até falei com um zagueiro que jogava comigo no Strasbourg sobre como era a equipe do Flamengo e como eles jogavam. Estou bastante ansioso por esse confronto e espero que a gente possa levar a melhor. Já (estão pedindo gol contra o Fla), ainda mais meu pai, que me cobra bastante e é contra o rival (risos). Também tenho uns amigos vascaínos que ficam bastante no pé: “Olha, não pode perder”. É trabalhar para chegar bem, poder mostrar meu potencial e dar o meu melhor se eu jogar. E, se Deus quiser, o Chelsea vai sair com a vitória.
Hoje aos 21 anos e jogador de Seleção, o filho de André e Jordânia, que também é pai do Anthony, marido da Yngryd e irmão da Andressa, ficou na redação do ge por mais de uma hora e falou sobre tudo. Confira abaixo:
Esperava a convocação?
– Foi meio que uma surpresa, eu sabia que estava na pré-lista. Chegou em mim pelo clube, que me comunicou. Só que tem sempre aquela expectativa, até porque é um sonho. A gente assistiu à convocação em casa com a minha esposa, meu filho, amigos e toda a minha família. Foi uma surpresa muito boa.
Já bateu papo com o Ancelotti?
– Não.
Como imagina que é o Ancelotti?
– Pelo que vejo, acho que ele cuida muito do vestiário. Assisto aos jogos da Champions, até porque tem muitos brasileiros no Real Madrid. Acho que ele tem um ambiente muito bom, o momento certo para trabalhar e para chamar e conversar. Tive contato com o Vini ontem (terça), fui na casa dele, só que a gente não conversou sobre isso (a respeito de como é o Ancelotti), mas não perguntei sobre isso, porque fiquei um pouco tímido (risos). Acho que vamos ver um pouco mais na hora mesmo.
Ele jogava na sua posição…
– Era? Um pouco mais de pressão então (risos).
Ansiedade de jogar pelo Brasil
– A ansiedade é normal, até porque é uma coisa boa. Estar ansioso para servir ao seu país. Fico tranquilo quanto a isso porque tenho certeza que vai dar tudo certo.
Como reagiu à chance Seleção, mesmo estando num clube de menor expressão?
– Claro que a gente sempre sonha servir à Seleção. Estando num clube de menor expressão no cenário mundial, acho que é um pouco mais difícil. Fiquei feliz pela temporada que fiz, claro que fiquei um pouco esperançoso. Ainda mais que foi a segunda vez em que saí na pré-lista. Eu estava um pouco mais confiante e, graças a Deus, fui convocado.
Dificuldades de adaptação à França e ao idioma
– No início, na primeira passagem pelo Strasbourg, se eu não me engano de quatro meses, foi um pouco difícil por conta da moradia, fiquei morando por três meses em hotel. O pessoal do clube sempre me acolheu muito bem, não só eu, como a minha família. A segunda passagem foi diferente, até porque eu já sabia como era o ritmo da França, tinha aprendido um pouco o idioma e sabia me comunicar.
– Tive meu filho lá, acaba criando uma conexão. Minha esposa chegou lá grávida, então acho que isso foi fundamental. Me senti muito acolhido.
Ancelotti falou da importância de se falar o idioma do país onde se joga. Já está voando no francês?
– Estou bem no francês, consegui aprender em sete meses e hoje consigo falar. Concordo plenamente com ele (Ancelotti). Foi tranquilo para mim. Acho que você tem que aprender por respeito, pela adaptação e para poder saber se comunicar no vestiário. Hoje no futebol a comunicação é importantíssima. Quando você fala a língua do país em que você está jogando, ajuda muito na adaptação.
O Chelsea o chamou para a Copa do Mundo de Clubes. Como estão seus planos para o futuro?
– Claro que fico bem ansioso para o que vai acontecer, tenho a apresentação na Seleção e depois me apresento ao Chelsea para a Copa do Mundo de Clubes. Hoje estou focado na Seleção e espero que a gente saia com a vitória nos dois jogos, que são importantíssimos. Depois vou para o Chelsea, jogo a Copa, e depois a gente vê o que acontece.
Acredita que a Copa do Mundo de Clubes lhe dá uma boa chance para seguir no Chelsea?
– Acho que sim, acho que pode ser determinante. Costumo dizer para os meus pais e minha esposa que cada treino é um jogo para mim, encaro todos como uma oportunidade de fazer o que amo e de mostrar meu potencial.
Na Copa do Mundo, você reencontrará o Flamengo. E o Vasco: visitou já desde que chegou ao Brasil?
– Visitei hoje (quarta), matei um pouco da saudade. Acho que é importante visitar o pessoal, os funcionários e os jogadores. Acho que é um sentimento de gratidão por tudo que já fizeram por mim.
O quão importante foi Patrick Vieira, seu primeiro treinador no Strasbourg e craque campeão do mundo pela França, para você?
– Ele me ajudou muito. Quando cheguei na França, eu não falava nada em francês. Nos comunicávamos em inglês, ele falou que me conhecia, que já tinha visto uns vídeos meus. Ele falou que eu evoluiria muito com ele, fico feliz de ter trabalhado com ele. É uma referência na posição mundialmente, como pessoa e treinador também. Ele me ajudou bastante nesse processo de adaptação.
O fato de ter virado mais marcador não tem o impedido de pisar na área. Dos seus 11 gols, seis foram dentro da área.
– Acho que o Liam (Rosenior), um treinador inglês muito jovem, foi fundamental nessa temporada para mim. Me ajudou muito, me deu muita confiança, me deixou bem solto. No início da temporada, a gente sofreu muitos gols, e ele pediu para eu segurar um pouquinho mais. Eu tinha liberdade para sair em algum momento, ele me dava total confiança para fazer isso. Fico feliz por ter marcado muitos gols e ajudado a minha equipe.
Como um 5 pode ser o vice-artilheiro de um time?
– É a minha segunda temporada completa, a primeira foi no Vasco e aconteceu o mesmo. Terminei com oito gols e o Raniel, se eu não me engano, com 12. É uma coisa que não consigo explicar, sempre entro nos jogos procurando uma oportunidade. Quando aparece a chance, eu tenho que estar pronto para fazer gol, até porque sou volante. Não aparecem duas, três, às vezes aparece uma, e eu tenho que estar preparado.
Você fez muito sucesso com a camisa 8 na França, onde um ex-vascaíno que usou a mesma camisa é tido como rei para a torcida do Lyon. Foram feitas muitas referências ao Juninho?
– Quando surgi no Vasco, acabei trocando a camisa. Eu era 16 e pedi a 8. O pessoal deu, e começaram as comparações. Saiu também uma coisa na internet com o Juninho falando bem de mim. E, por coincidência, fui para a França, onde ele teve uma carreira muito boa no Lyon. O pessoal do meu clube, especialmente os franceses, o conhecem muito. Falam muito, mas é claro que a qualidade dele é muito maior. Acho que é uma comparação saudável.
Você falou de “seis anos em seis meses” no Nottingham Forest. O que mais de específico o dificultou por lá?
– O mais difícil foi que, querendo ou não, os jovens que são vendidos muito cedo acabam tendo uma sequência e são tratados com carinho especial no clube onde surge. Sempre falei com meus pais que fui titular a vida toda, quando você chega num time de fora acha que vai entrar também, mesmo sabendo das dificuldades. Acho que esse é o timing, a dificuldade de ser só mais um. Você não chega sendo o mesmo Andrey que você era no Vasco. Você tem que buscar seu espaço, acho que essa diferença e que outros jogadores brasileiros sentem muito de adaptação.
– Acho que me apeguei muito a Deus, à minha esposa e aos meus pais. Tive uma conversa muito forte com o Savinho, que é o meu melhor amigo. Ele passou também por esse processo no PSV. Todo dia ele estava em ligação comigo, me ajudando. Fico feliz por ter me reencontrado no futebol, por ter mostrado meu futebol para a Europa e ter dado a volta por cima.
Dificuldades à parte, voltemos a falar de Seleção. Você reencontrará o Casemiro, seu ídolo, nessa convocação. O que representa?
– Sonho realizado estar na Seleção e poder dividir o dia a dia com um jogador que é seu ídolo. A primeira convocação, em 2023, pude jogar com ele (em amistoso contra o Marrocos), mas eu não era tão maduro quanto sou hoje. Hoje a experiência vai ser melhor, e claro que a disputa por posição vai acontecer normalmente. Com ele, Gerson, Bruno, Andreas e Ederson.
A Amarelinha é algo muito natural para você, que foi campeão no sub-15 e no sub-20, com direito a faixa de capitão. Qual sua relação com essa camisa?
– Tive uma conversa com meus empresários, e eles falam que eu me transformo quando coloco a camisa da Seleção. Sempre foi um sonho representar meu país. Lembro quando tinha 12, 13 anos, acordava de madrugada para ver a Olimpíada e as competições que tinham fora com meu pai. Representar o meu país é um sentimento inexplicável, por isso que procuro sempre desempenhar o meu melhor papel cada vez que visto a camisa amarela.
Você já deu muitas entrevistas, mas o que falaria hoje, como jogador de Seleção, para o seu pai sobre gratidão e outras coisas (André assistia à reportagem posicionado em frente ao filho)?
– Acho que passa um filme na cabeça, é até difícil falar. Agradeço tudo a ele, à minha irmã e à minha mãe por tudo que fizeram por mim. O processo foi doloroso, muitas pessoas acabam não vendo o que passou lá atrás. Estou nessa desde os meus 4 anos, meu pai muitas das vezes tinha que trabalhar em dois empregos para poder sustentar nossa família. Teve emprego que eu não conseguia ver meu pai, via meu pai dia sim, dia não. Hoje eu entendo o porquê, ele sempre quis dar o melhor para os seus filhos.
– Essas coisas ficam marcadas. Você tem um filho de 7 ou 8 anos e não sabe o que vai acontecer depois. Você acaba fazendo isso por amor, para ver a felicidade do seu filho. Fico muito feliz de ter meu pai como pai e minha mãe como mãe. Graças a Deus, eu posso dizer que mudei não só a história dele, mas a minha também. Acho que tudo que tenho hoje devo a ele e aos meus pais.
Fonte: Globo Esporte