Opinião: ‘Era de Ouro’ do Vasco teve feito inédito no futebol brasileiro

O jornalista André Rocha opinou sobre a situação vivida pelo Vasco entre 1997 e 2000, período onde conquistou a Libertadores.

O Vasco mais lendário é o “Expresso da Vitória” nos anos 1940, pelo ineditismo do título sul-americano em 1948, segurando no Chile “La Maquina” do River Plate. A primeira conquista brasileira fora do território nacional, incluindo a seleção, que teria a base cruzmaltina, incluindo o treinador Flávio Costa, na Copa do Mundo de 1950.

O melhor que vi em campo foi o campeão da Taça Guanabara de 1987. Time comandado por Joel Santana que tinha Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Dunga, Geovani e Tita; Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário.

Sim, aquele que por um jogo me fez mudar de lado nas arquibancadas do Maracanã no “Clássico dos Milhões” que valeu a conquista do primeiro turno do Carioca. Com duas mudanças – Henrique no lugar de Dunga e Luis Carlos no lugar de Mauricinho – venceria o estadual sob o comando de Sebastião Lazaroni. Mas reconheço que isso é memória afetiva pura, apesar da qualidade técnica desses jogadores.

A “Era de Ouro” vascaína se deu mesmo entre 1997 e 2000 e teve seu auge com a conquista da Libertadores em 1998, ano do centenário do clube. Feito inédito entre os brasileiros até hoje. Fruto do amadurecimento de um trabalho que vinha desde 1996.

Com Antonio Lopes, hoje coordenador de futebol do Vasco aos 78 anos. Treinador que assumiu o time em sua quarta passagem com a missão de organizar a equipe em torno do talento de Edmundo, aproveitando a joia de 21 anos contratada ao Sport, Juninho Pernambucano e utilizando os jovens revelados nas divisões de base.

Depois do insucesso no Carioca de 1997, vencido pelo Botafogo no famoso gol de Dimba e com a lendária resposta dos alvinegros à reboladinha de Edmundo na frente de Gonçalves no primeiro jogo da decisão, Antonio Lopes, com a ajuda do então vice de futebol Eurico Miranda, arregaçou as mangas para formar uma equipe competitiva no Brasileiro.

Sem muito dinheiro em caixa, mas sempre contando com o auxílio financeiro dos beneméritos do clube, geralmente portugueses ou descendentes abastados do Rio de Janeiro, o clube buscou mesclar experiência, juventude e a “fome” de jogadores vindos de times pequenos.

“Fui buscar o Odvan no Americano e o Nasa no Madureira. O Mauro Galvão que estava sem jogar no Grêmio. O mesmo com Evair no Atlético Mineiro e juntei com a base que estava no clube e formei o time campeão”, revelou Lopes em entrevista ao “Triangulação”, podcast que este que escreve participa com os colegas e amigos Eugenio Leal e Rodrigo Coutinho.

Ainda traria Valber do São Paulo para ser uma espécie de “coringa”. Equipe que foi ganhando variações ao longo da campanha do título nacional. Revezando Valber, Maricá e Filipe Alvim na lateral direita, recuando Nasa para cobrir Felipe, jovem talento que foi ganhando cada vez mais liberdade com o tempo.

Na frente, Evair recuou para fazer dupla com Ramon ou Pedrinho para municiar a estrela iluminada daquele segundo semestre no futebol brasileiro: Edmundo, que seria artilheiro da competição, marcando 29 gols e quebrando o recorde de Reinaldo, do Atlético Mineiro. Os três últimos na goleada histórica por 4 a 1 sobre o Flamengo no quadrangular semifinal daquela edição.

Em alguns jogos era possível ver o time cruzmaltino numa espécie de “Árvore de Natal”: um 4-3-2-1 com Valber, Odvan, Mauro Galvão e Nasa na defesa; Luisinho como o volante mais plantado, Juninho e Felipe como espécies de “carrileros” a dar suporte a Evair e Ramon que encostavam no Edmundo que acabou virando o atacante de referência, muitas vezes sustentando sozinho o ataque e puxando contragolpes para decidir partidas.

No ano seguinte, Edmundo partiu para a Fiorentina, Evair se sentiu desvalorizado por Lopes e preferiu seguir para a Portuguesa. Ambos perderam a chance de fazer parte de algo histórico. Com Donizete e Luizão, Lopes montou uma equipe menos brilhante no ataque, porém muito mais competitiva.

Porque a dupla de ataque participava mais sem a bola e era muito objetiva nos contragolpes. O time mais combativo permitiu que Mauro Galvão ganhasse liberdade para organizar as jogadas e chegar ao ataque e Felipe muitas vezes atuasse solto em campo, até saindo do lado esquerdo. Principalmente quando Pedrinho era o meia pela esquerda e abria como ponta, permitindo que o lateral criasse mais por dentro. Pela direita, o meia Vagner foi o improvisado da vez na lateral.

A campanha do título continental teve a final contra o Barcelona de Guayaquil, mas triunfos sobre os campeões das três edições anteriores: Grêmio, Cruzeiro e o River Plate na semifinal que consagrou o gol “monumental” de Juninho em Buenos Aires que colocou o Vasco na decisão.

O pernambucano que passou por todo esse período áureo como um pilar e o jogador com características que fizeram a equipe dar liga. Um meia que preenchia um espaço enorme em campo. Marcando, articulando e finalizando. Um meio-campista raro, jogando de área a área naquele período do futebol brasileiro em que o setor era dividido entre volantes marcadores e meias atacantes no típico 4-2-2-2.

Equipe campeã estadual e derrotada no Mundial em Tóquio por um Real Madrid estelar em jogo equilibrado que teve gol de Juninho e Felipe sendo o pesadelo do lateral Panucci. O Vasco merecia melhor sorte no segundo tempo, mas os 2 a 1 com gol contra de Nasa no primeiro tempo e uma pintura de Raúl González, driblando Vitor e Odvan, não podem ser considerados injustos.

A recuperação veio com a conquista do Rio-São Paulo em 1999, mas a derrota para o Flamengo no Carioca e a eliminação nas oitavas da Libertadores para o Palmeiras, que seria o campeão daquela edição, comprometeram a temporada. Mas o convite para participar do primeiro Mundial organizado pela FIFA em janeiro como o campeão da Libertadores de 1998 se transformou na esperança de um ano histórico.

Ainda mais com o retorno de Romário, após saída litigiosa do Flamengo. Jorginho, campeão mundial em 1994, veio para ocupar a lateral direita, Gilberto foi contratado para ocupar a lateral esquerda e Felipe virar meio-campista de vez, ao lado de Juninho e Ramon. Com a proteção do inesgotável Amaral. Na zaga, Júnior Baiano para atuar com Mauro Galvão. Na meta, caiu no colo do jovem Helton a vaga de Carlos Germano, que não renovara o contrato com o clube e foi para o Santos.

Uma seleção que atropelou o Manchester United no Maracanã, com gol antológico de Edmundo, e só foi parada por outra: o Corinthians bicampeão brasileiro que venceu o torneio na histórica decisão por pênaltis no Maracanã, com Marcelinho Carioca e Edmundo desperdiçando as últimas cobranças.

O revés no Rio-São Paulo para o Palmeiras custou o emprego de Antonio Lopes. Chegou Abel Braga que, mesmo com estilo “paizão” não conseguiu apaziguar os conflitos entre Edmundo e Romário. Mas conquistou a Taça Guanabara e partiu para treinar o Olympique de Marseille. Alcir Portela foi efetivado e a equipe, totalmente desestruturada e com alguns jogadores sem se falar, viram um Flamengo bem inferior tecnicamente vencer a Taça Rio e o Carioca.

Era a senha para mudanças, com o suporte do patrocínio do Nations Bank. Chegaram o treinador Osvaldo de Oliveira, mais Clebson, Jorginho Paulista, Euler e Juninho Paulista. E Jorginho readaptado ao meio-campo, como atuou na Europa e no Japão. Para formar a equipe que faria campanha sólida no Brasileiro e na Copa Mercosul, com direito a goleada fora de casa sobre o River Plate por 4 a 1.

Mas a oscilação da equipe na reta final, até pela natural queda física de um elenco que disputou 88 jogos em 2000, e um desentendimento entre Oswaldo e Eurico Miranda depois dos 2 a 2 contra o Cruzeiro pela ida da semifinal da Copa João Havelange fizeram o Vasco ter um novo treinador em dezembro: Joel Santana.

O “papai” que resgatou Nasa para a terceira decisão contra o Palmeiras depois de vitória por 2 a 0 em São Januário e derrota por 1 a 0 em São Paulo. 3 a 0 para o time alviverde no primeiro tempo e parecia que o clube acumularia mais um vice-campeonato, para o deleite dos rivais cariocas.

Mas, com Viola em campo, Juninho voando e Romário iluminado nas finalizações, o time construiu a mais épica das viradas: 4 a 3, no campo do adversário e com um homem a menos após a expulsão de Junior Baiano.

Com a confiança no topo, o time partiu para o título brasileiro com inapeláveis 3 a 1 sobre o Cruzeiro de Luiz Felipe Scolari no Mineirão lotado na volta da semifinal e a confirmação da conquista sobre o surpreendente São Caetano. Em janeiro de 2001, por conta do acidente em São Januário na partida de volta da decisão. No Maracanã, 3 a 1 com o gol decisivo de Romário, o 66º do artilheiro daquela temporada.

De uma equipe que marcou 176 gols, média de dois por partida, e foi campeã ou vice em tudo que disputou naquela temporada. Um grande feito, mas o início de uma queda vertiginosa por conta de más gestões, incluindo de Eurico Miranda, que virou presidente e mandou e desmandou de 2002 a 2008, e do grande ídolo Roberto Dinamite. O buraco de dívidas que atormentam o clube se avolumaram neste período.

Vasco conquistou a Libertadores de 1998

Poderia e deveria ter sido diferente. As conquistas geraram receitas que poderiam ter dado estabilidade e estrutura ao clube. Mas na época a prática comum era formar times vencedores mesmo sem poder sustentá-los. Ou pagando, porém sem planejamento a médio/longo prazo.

O Vasco ao menos conseguiu vencer. E construiu uma história belíssima, com o apogeu em 1998. A festa do centenário com Libertadores ninguém mais pode ostentar no país. Só o time da Cruz de Malta.

Blog do André Rocha

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