Paulinho projeta reencontro com São Januário e lembra saída: ‘Praticamente obrigado’

Atualmente no Atlético-MG, Paulinho, ex-Vasco da Gama, relembra sua passagem pelo Clube e projeta reencontro em São Januário.

Paulinho durante visita a São Januário
Paulinho durante visita a São Januário em 2022 (Foto: Thiago Mendes, W9 Press/GazetaPress)

Com guias do Candomblé no pescoço, conduzido por seus Orixás, Oxóssi e Yemanjá, Paulinho tem um “script” diferente do tradicional jogador do futebol: procura se inteirar do mundo, política e não tem medo de se posicionar. O atacante do Atlético-MG retornou ao Brasil no ano passado depois de ser vendido pelo Vasco ao Bayer Leverkusen ainda muito jovem. Passou por momentos difíceis na Alemanha, se apegou a sua família, raízes, religião e ferramentas de cura.

“Meu pai costuma dizer que o samba cura.”

Logo no primeiro ano do futebol brasileiro, foi artilheiro do Brasileirão com 20 gols marcados em 2023. Agora, na véspera de duas semifinais pelo Galo, o camisa 10 falou do reencontro com o prazer de jogar futebol.

“Eu sou um cara muito feliz e realizado hoje no Galo, de estar vivendo esses momentos”.

Convivendo com uma lesão no osso da canela da perna direita, o atacante vem jogando com dores. Não entra em detalhes sobre a lesão, o tratamento e a recuperação. Os jogos estão sendo selecionados a dedo para que Paulinho esteja em campo.

– Não posso falar muito o que é. Eu estou fazendo de tudo para estar apto para os jogos, principalmente para os mais importantes, porque eu quero fazer parte desse momento e ajudar de alguma forma o Galo a conquistar os objetivos que buscamos.

Sem fugir de nenhuma pergunta ou tema, falou sobre a identificação que criou com o clube, a saída do Vasco, título com a seleção olímpica. O camisa 10 ainda comentou intolerância religiosa, visão política do Brasil e do mundo. Questionado como lida com a intolerância religiosa, declarou:

– Minha família e eu seguimos muito os nossos princípios, nossa ideologia, temos a nossa maneira de pensar na questão política. Não é querendo puxar para o fanatismo, é querendo visar mais o que o nosso país precisa de acordo com o nosso olhar – Paulinho sobre posicionamento político.

“É algo que não tem mais cabimento no mundo de hoje, que eu tento de alguma forma usar a minha voz para poder lutar e combater esse preconceito com base nas informações, na troca de conhecimentos. A gente sabe que é difícil ainda, não só nas redes sociais, mas nos estádios também dá para escutar muitos gritos assim contra mim, até mesmo da torcida do Galo”.

Reencontro com o Vasco

Paulinho subiu para o profissional do Vasco ainda com 16 anos. No dia seguinte que completou 18 anos, estava embarcando para a Alemanha para defender o Bayer Leverkusen. Ao relembrar a trajetória, o atacante diz que não estava preparado emocionalmente para sair do Vasco.

– Eu não estava pronto ainda pra sair. (…) Emocionalmente, eu não estava preparado, ainda mais para um país com uma cultura totalmente diferente do que é o nosso país – declarou o jogador.

“Na época, o Vasco precisava muito da minha venda. Se for parar para pensar, era uma das únicas salvações que tinha na época financeiramente para o clube, e eu fui praticamente obrigado a sair. Foi muito difícil”.

No jogo de ida, na Arena MRV, Paulinho marcou o gol da vitória do Galo em cima do Vasco. O time mineiro venceu por 2 a 1. Neste sábado, pela primeira vez, o camisa 10 vai voltar à São Januário, estádio do Vasco, time que o formou.

“Vai ser um jogo com um misto de emoções quando eu pisar em São Januário, porque vai ser a primeira vez que eu vou pisar lá jogando contra o Vasco. Como eu falei, a gratidão é imensa pelo clube que me formou como atleta e como homem, mas, hoje, eu sei muito bem a camisa que eu estou vestindo, a camisa enorme que represento, que é a do Galo.”

Ficha técnica

  • Nome completo: Paulo Henrique Sampaio Filho
  • Nascimento: 15 de julho de 2000, no Rio de Janeiro, RJ
  • Carreira: Vasco, Bayer Leverkusen, Atlético-MG, seleção brasileira de base, olímpica e seleção principal
  • Títulos: Sul-Americano sub-15 (2015), Sul-Americano sub-17 (2017), Campeonato Carioca sub-20 (2017), Torneio de Toulon (2019), Olímpiadas (2020), Campeonato Mineiro (2023 e 2024)

Abre Aspas: Paulinho

Quem é o Paulinho?

– Eu sou um cara muito determinado. Um cara muito consciente do que realmente quer para vida, tanto pessoal, quanto pra carreira profissional. Muito sonhador, batalhador, guerreiro, família. Muito festeiro também, gosto muito de curtir, pelo menos a minha juventude. Sou um cara muito feliz, realizado. Quero realizar muito mais, mas até aqui, até meus 24 anos, sou muito feliz e realizado por ser um jogador de futebol, estar fazendo tudo aquilo que eu imaginei, sonhei, tudo que eu botei como plano A da minha vida.

Como você se apresentaria?

– Nasci no ano 2000, no Rio de Janeiro. Fui nascido e criado na Vila da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, jogando sempre muita bola, acompanhando meu pai no mundo do futebol, no mundo do esporte. Sempre tive uma família que me deu muito suporte, sempre comigo em todos os momentos, me guiando e me mostrando, em todos os momentos, todos os caminhos que eu poderia percorrer durante a minha vida, durante a minha carreira.

“Eu comecei muito novo no futebol, subi com 16 anos para o profissional. Tive que amadurecer rápido, porque no futebol, por mais que você chegue no profissional muito novo assim, você é obrigado a amadurecer rápido. Fui mais um desses jogadores, mas eu tive um suporte familiar muito importante, que não é comum todo jogador de futebol ter. Me sinto privilegiado por isso”.

Lembranças da infância e do Rio de Janeiro?

– Primeiro a época que eu frequentava muito os estádios. Eu ia muito ao Maracanã. Quase todo final de semana eu estava no Maracanã com o meu pai, com o meu irmão, com os meus tios. Todo final de semana a gente também fazia um churrasco. Todo domingo meu pai ia jogar bola, a gente ia atrás dele, sempre jogávamos bola. Acho que são as melhores lembranças. Claro que, a partir ali, dos meus 11, 12 anos, eu não tive uma infância de uma criança normal, porque começaram as responsabilidades. Tinha que estudar, treinava no campo, treinava futsal à noite.

– Eu não tinha muito tempo para curtir a vida pessoal, mas ao mesmo tempo, eu curtia aquela vida, aquela parte do futebol. A minha família também curtiu bastante junto comigo. Meu pai e a minha mãe sempre gostaram muito de acompanhar. E foi isso, apesar de perder por um lado, eu ganhei muito por outro. Como eu falei, tive que amadurecer muito rápido, e os meus pais também tinham a responsabilidade de trabalhar, botar comida na mesa, ter as responsabilidades normais de pai e mãe.

Como é sua relação com seu irmão? É verdade que você quase foi registrado com o nome de Edmundo?

– Meu irmão sempre foi meu fiel amigo, escudeiro, um cara que sempre esteve do meu lado. Eu tenho três irmãos, mas o Romário foi criado mesmo comigo. Apesar de eu ter sido muito criado com a minha irmã também, ela cuidou da gente, desde muito nova. Com o meu irmão foi o que eu tive mais tempo, porque minha irmã casou cedo, teve filho muito cedo e teve que sair de casa. Meu irmão sempre foi meu companheiro ali, de jogar bola, de acompanhar futebol, de assistir aos jogos, de conversar, e é até hoje. Hoje, a gente encontrou caminhos diferentes para trabalharmos juntos.

– Com relação ao nome, meu pai sempre foi muito fã do Romário. Na época, o Romário era jogador do Flamengo. Independente disso, meu pai sempre foi muito fã dele, desde a época do Vasco, quando ele surgiu. Teve a ideia de colocar o nome do meu irmão de Romário, e a minha mãe ficou muito bolada com isso. E como o Edmundo era muito ídolo do Vasco, minha mãe sempre foi muito fã dele e torcedora fanática do Vasco. Ela queria botar meu nome de Edmundo. Meu pai, como tricolor, não deixou e acabou botando o próprio nome dele. Então hoje, meu nome é Paulo Henrique Sampaio Filho, e o do meu pai é Paulo Henrique Sampaio. Foi mais um motivo para deixar minha mãe chateada, mas que, depois, teve que acostumar. Hoje são todos felizes com o meu nome.

Quem eram seus ídolos na infância? E as suas referências?

“Eu sempre fui Tricolor, sempre fui Fluminense. Da minha família só nós três éramos, a parte da família da minha mãe toda era Vascaína. Até meu irmão mais velho, que é o filho mais velho do meu pai, é Vascaíno. Meu pai sempre estimulou a gente a ir para o estádio, a acompanhar o futebol, desde muito novo. Para você ter noção, uma das primeiras vezes que eu fui no Maracanã foi quando o Edmundo foi jogar no Fluminense, e acabou fazendo, mais uma vez, dupla de ataque com o Romário. O meu pai sempre lembra disso”.

– Depois disso, íamos em quase todos os jogos. Na Libertadores, todo mundo já sabe, já falei aqui, na de 2008, eu fui em quase todos os jogos no Maracanã, estava na final. Foi quando literalmente meu sonho de ser jogador de futebol despertou, porque eu chegava no Maracanã e olhava aquela festa, todo aquele evento, aquela dimensão toda. Meus olhos brilhavam e eu me via como os jogadores ali, a torcida cantando o nome dos jogadores.

Você falou sobre esse sonho que despertou indo ao Maracanã. Como foi pra você se tornar profissional em São Januário, jogando pelo Vasco?

– Primeiro, quando eu fui pro Vasco, minha história começou bem antes de eu ir jogar lá. Como eu falei, minha família era toda vascaína, e o meu irmão, por mais que ele é Tricolor, a primeira festa de aniversário dele minha mãe fez toda do Vasco. Quando eu comecei, no arredor da Vila da Penha, quando eu e o meu irmão jogávamos bola, meu pai era muito conhecido na região. O pessoal falava muito pra ele: “Pô, seus filhos jogam bem”. Não só eu, mas meu irmão também, ele também tentou ser jogador e sempre jogou muito bem. O diretor da base, da Seleção Brasileira, e diretor da base do Vasco, era o Humberto Rocha, que hoje é falecido. Ele foi professor do meu pai e cortava cabelo com ele na época. Falaram para ele que a gente jogava bem, que eu jogava bem, isso eu devia ter de 7 para 8 anos. Ele falou pro meu pai me levar no Vasco pra fazer um treino no futsal. Eu fui, mas já era final do ano, e como já era final do ano, o time já estava todo formado, tinha muitos jogadores federados.

– Os outros times pequenos precisavam de jogador. O Madureira ligou querendo pedir jogador, e como eu tinha ido muito bem nos treinos, o pessoal do Vasco falou “Oh, você vai lá pro Madureira, joga esse final de ano e ano que vem você volta”. Aí eu fui para o Madureira, fui muito bem, comecei a ser artilheiro de todos os campeonatos e não queria sair de jeito nenhum do Madureira. O pessoal do Vasco queria muito, o pessoal do Fluminense, Flamengo, do próprio Botafogo queria muito e eu não queria sair, mas o time do Vasco, na minha categoria, era o melhor que tinha. Como o meu pai já via uma projeção muito boa na minha vida, com relação ao futebol, ele já começou a me incentivar e me estimular a pensar um pouco mais sério, um pouco mais com razão, por mais que eu fosse criança na época e tudo ali fosse um divertimento.

“Teve uma época que eu fui chamado para jogar no campo do Vasco. Eu jogava futsal no Madureira e campo no Vasco. Logo depois, eu fui praticamente obrigado a largar o futsal no Madureira e jogar futsal no Vasco. Então, já com 10 anos, ali começou essa minha história com o Vasco, essa minha conexão, e eu fiquei até meus 18 anos, onde eu fui muito feliz. Estudei lá, me formei em São Januário, não só como atleta, mas como homem também. Tenho muito orgulho disso, muita gratidão, o clube que me formou”.

Como vai ser um confronto decisivo contra o Vasco pela Copa do Brasil, voltando a jogar em São Januário?

– Vai ser um misto de emoções quando eu pisar em São Januário. Será a primeira vez que eu vou pisar lá jogando contra o Vasco. Como eu falei, a gratidão é imensa pelo clube que me formou como atleta e como homem, mas, hoje, eu sei muito bem a camisa que eu estou vestindo, a camisa enorme que eu represento. É um clube que eu tenho uma enorme gratidão. Em um momentos que eu mais precisei da minha vida, o Galo foi essencial, foi muito importante. As pessoas que estavam trabalhando aqui, diretamente, como o Rodrigo Caetano. Ele foi um cara essencial para eu poder recuperar meu prazer de jogar meu futebol, de fazer aquilo que eu mais amava, de eu ter a confiança de todo o staff do Galo pra chegar nos jogos e só desfrutar, me divertir junto com os meus companheiros, buscar realmente um objetivo. Imagina você disputar um Campeonato Brasileiro, Libertadores, Copa do Brasil, ser campeão estadual. É o que todo jogador brasileiro sonha quando tá jogando aqui. Eu sou um cara muito feliz e realizado hoje no Galo.

No ano passado, você enfrentou o Vasco no Maracanã. Como foi para você ser xingado pela torcida do Vasco?

“Na época, eu fiquei um pouco chateado com os xingamentos, com as vaias no Maracanã, mas eu entendo completamente, sei que o torcedor é muito passional, principalmente no Brasil. É muito diferente do pessoal de fora, da Europa, eu tive a oportunidade de jogar lá e vi bem de perto como é. No Brasil, o torcedor é muito passional e eu também já fui um torcedor de arquibancada. Eu sei exatamente como é o sentimento de você ter sido feliz com um jogador em uma época e, em um futuro recente, esse jogador está jogando contra. Eu entendo bem, mas, independente disso, meu carinho nunca vai mudar pelo torcedor vascaíno, pelo clube, por tudo aquilo que a gente criou como conexão”.

O que você está esperando para este sábado?

– Eu estou esperando um clima bem hostil. Sei que vai ser um jogo muito difícil, com uma atmosfera que todo jogador quer jogar, mas eu vou estar defendendo as cores do Galo, a gente tem que passar para essa final para buscarmos esse tão sonhado título da Copa do Brasil.

O que você lembra da sua convivência com o Eurico Miranda? O que mais te marcou no seu período com ele? O que você aprendeu com ele?

– Eu tive a experiência de trabalhar na gestão do Eurico a partir de 2014, quando ele voltou para o Vasco. Era um ambiente completamente diferente do que era antes. Eu cheguei na época da gestão do Roberto. A gestão do Eurico era muito diferente, porque era muito familiar o ambiente lá dentro. Foi uma experiência muito boa, a gestão do Eurico tinha sempre como missão passar para nós atletas a importância de você saber a história do Vasco.

“Na escola já era muito assim, na base já era muito assim, aquele costume de sempre fazer o grito de guerra do Casaca de todo jogo, no vestiário sempre cantar as músicas antes de entrar dentro de campo, aquilo ali mexia com o jogador. Você pode pegar aí muitos jogadores que entram no Vasco e muitas vezes saem vascaínos, saem respeitando muito a história do clube. O Eurico é um cara que sempre estimulou muito isso, fazer com que os jogadores respeitassem muito a história e vestissem mesmo a camisa de corpo e alma pra poder representar o clube”.

Da sua estreia no Vasco até a venda para a Alemanha, tudo foi muito rápido. Como foi a sua chegada na Alemanha, adaptação, o que que pesou nesse momento?

“Eu não estava pronto ainda para sair emocionalmente, como, futebol. Não posso me desvalorizar tanto assim também, porque muitos jogadores jovens saem com 18 anos, que é normal, e acabam se adaptando de alguma forma lá fora. Mas, emocionalmente, eu não estava preparado ainda para sair, ainda mais para um país com uma cultura totalmente diferente do que é o nosso país. Na época, o Vasco precisava muito da minha venda. Se for parar pra pensar, era uma das únicas salvações que tinha na época. Eu fui praticamente obrigado a sair. Foi muito difícil, porque eu fiz aniversário, fiz 18 anos e logo no dia seguinte eu já estava viajando com a minha família. Então, foi um choque total de realidade. Os primeiros seis meses foram complicados. Depois, me adaptei tranquilamente.

– Eu sabia muito bem o que eu queria, o que eu estava buscando. Foi difícil mesmo a minha convivência lá com a cultura alemã, no dia a dia, a forma que eles tratavam nós jogadores jovens, de sempre querer usar a hierarquia, botar na frente do futebol dentro de campo, algo que é muito diferente aqui do Brasil. No Brasil, é muito cobrado a produção, a performance, independente da idade e de qual atleta for. Eu tive um pouco de dificuldade de conviver com isso. Eu sempre tive uma personalidade muito forte. Eu sempre quis seguir meu raciocínio e sei que isso dificultou um pouco a minha estadia lá. Mas eu sempre respeitei o pessoal do clube, o staff do clube, são pessoas muito educadas. Só que assim, a cultura mesmo com relação ao futebol não batia. Eu sofri bastante por causa disso. Logo na segunda temporada teve a pandemia, eu machuquei meu joelho, fiquei um ano parado e perdi um ano do meu contrato lá. O importante desse período, antes da minha lesão, foi que, independente de eu não estar jogando muito lá, eu sempre estava na Seleção Olímpica, sempre era convocado e meus números eram muito bons lá. Eu era vice-artilheiro, o jogador que tinha mais assistência, estava sempre de titular, enfim, estava muito cotado para as Olímpiadas. Acabou que as Olimpíadas nem foram no ano de 2020, por causa da pandemia, e isso me ajudou um pouco por causa da minha recuperação.

– Eu fiquei um ano parado, voltei no meio de 2021, e já pronto para as Olímpiadas. Tive o acompanhamento dos médicos daqui, do treinador Jardine, ele era treinador da Seleção Olímpica na época e ele estava acompanhando bastante, porque queria muito contar comigo. O meu foco era só na recuperação para poder voltar e ter a oportunidade de jogar as Olimpíadas. Era uma vitrine muito grande, apesar de eu não estar jogando no Bayer. Consegui ir bem nas Olimpíadas, fomos campeões, e voltei pro Bayer com uma moral diferente, mais maduro, com outra cabeça e recebendo muito mais oportunidades. Foi a temporada em que eu mais joguei, 2021, 2022. Mas era quase o fim do meu contrato, acabou que, no final, teve uma briga contratual, onde eu não queria renovar, queria sair e voltar ao Brasil.

– Eu estava pronto para voltar ao Brasil, estava decidido já com a minha família, faltava ver só qual seria o clube. O Galo foi o time que mais esteve disposto a me repatriar e a contar com o meu futebol. Então, quando o Rodrigo Caetano foi atrás de mim, eu não pensei duas vezes antes de aceitar a proposta que era muito boa. Acabou que a conexão foi muito boa, eu costumo dizer que tem uma questão muito espiritual nisso.

Como foi cuidar da sua saúde mental quando você estava na Alemanha?

– Eu fui com os meus pais e o meu irmão, que hoje mora aqui comigo também. Se eu não tivesse ido com eles, eu acredito que eu teria voltado há muito tempo, bem no começo mesmo. Porque logo na primeira temporada já tentei sair, quase que eu fui jogar em Portugal. A gente estava passando por um momento muito difícil, por causa da cultura, e você tem que tentar achar soluções pra você estar de bem no dia a dia. Minha família me ajudou muito com isso. Logo depois eu tive a lesão, foi um momento mais difícil, onde a gente estava no meio de uma pandemia, eu fiquei um ano e meio sem voltar ao Brasil, sem ter férias, e isso foi muito difícil, mas eu tentei focar só na recuperação e isso me ajudou bastante.

– Sei que hoje o jogador tem o acompanhamento da psicologia, e foi algo que eu sofri lá na Alemanha, é algo que falta muito na Europa. Os jogadores que saem daqui, muitas vezes, não saem preparados emocionalmente, assim como eu. Acho que eles poderiam rever um pouco isso, porque ia ajudar bastante os jogadores jovens que saem muito cedo, não só aqui do Brasil, mas de diversos países da América e de outros continentes também pra Europa.

Como foi o primeiro contato do Atlético, o que pesou de fato na sua escolha e quais foram os outros clubes que te procuraram? Porque não eles, e sim o Galo naquele momento?

– Primeiro, a confiança do Rodrigo Caetano. Um cara que foi essencial na minha vinda para cá, que eu já conhecia o trabalho. O Palmeiras também queria muito na época e o diretor era o Anderson Barros, que me revelou no Vasco. Mas é como eu falei, foi algo espiritual, foi algo muito pensado no momento e eu vi que o Galo era o melhor clube para eu voltar. Muito pelas características também do time. Eu vi a possibilidade da minha entrada no time muito boa, com uma oportunidade muito boa de dar certo. Na época, o Rodrigo Caetano fechou com o Coudet e ele foi um cara que foi essencial. Me ligou antes de eu vir pra cá, disse que contava comigo, que confiava no meu trabalho.

– Quando eu estava na Europa, ele era treinador do Celta de Vigo e ele pediu a minha contratação na época. Eu não sabia que ele era treinador, fiquei sabendo quando eu cheguei aqui, porque ele me falou e foi um cara muito importante, que me ajudou muito ano passado aqui no Galo. Foi o cara que me mudou de posição, me mostrou que eu podia ser bom em uma outra posição.

O ano de 2023 foi o melhor ano da sua carreira?

– Em questão pessoal e individual, foi. O ano que eu tive o melhor número de gols, de assistências e tive minha convocação para a Seleção também. Só faltou mesmo os títulos coletivos, que esse ano, graças a Deus, a gente ainda tá nas disputas, estamos em três competições e muito vivos para conquistar os títulos da Libertadores e da Copa do Brasil. A gente sabe que é muito difícil, mas temos um elenco muito bom pra isso, um treinador muito bom pra isso, um trabalho muito sólido para chegar nessas finais. Eu acho que é a cereja do bolo que falta aqui pro Galo, não só pra mim, mas pros outros jogadores também. Você vê aí o Hulk, o cara com 38 anos, já ganhou de tudo na carreira, você consegue ver a sede, a fome dele de conquistar esse título grande.

Você sente um preconceito interno, de jogadores, com a sua religião?

– Aqui no Galo não. Na época do Vasco também não, porque eu estava em evolução ainda dentro do Candomblé, não era algo que era muito exposto. Apesar do número ser muito maior para o lado dos cristãos, o pessoal me respeita bastante. Às vezes, conversamos sobre, trocamos conhecimento , não só religião, mas política, várias coisas. Sempre me respeitaram bastante, hoje é até mais difícil alguém cometer um preconceito tão explicito, cara a cara, porque a gente sabe a exposição que isso pode gerar. Muitos seguram, mas aqui dentro do Galo sempre me respeitaram bastante.

– A gente até conversa sobre, os jogadores querem conhecer mais, saber como é. Eles acabam vendo uma pessoa que expõe de forma muito natural, sem medo, e eles acabam querendo buscar um pouco mais de conhecimento, entender um pouco mais sobre, porque tem tanto preconceito. Eu vejo como algo importante, principalmente hoje em dia, em um mundo tão popularizado, globalizado, que todos os assuntos são muito falados.

As pessoas usam ainda as redes sociais para atacar alguém. Como você lida com isso, com suas redes sociais?

“Eu já sofri bastante, no começo era mais, aparecia mais para mim, porque minhas redes sociais eram mais abertas, hoje em dia é mais limitada, porque eu também não quero ficar alimentando esse tipo de energia. É muito mais vindo da parte deles, não me atinge, eu sei bem o que eu sigo, o que me faz bem. É algo que não tem mais cabimento no mundo de hoje, que eu tento de alguma forma usar a minha voz para poder lutar e combater esse preconceito com base nas informações, na toca de conhecimentos. A gente sabe que é difícil ainda, não só nas redes sociais, mas nos estádios também dá para escutar muitos gritos assim contra mim, até mesmo da torcida do Galo”.

Você acha que foi uma quebra de paradigma ver um jogador da seleção brasileira se posicionando tão abertamente?

– Eu vejo que foi uma quebra de paradigma pela repercussão que tomou. Eu não esperava a repercussão que tomou, porque para mim, particularmente, não conseguia ver o tanto de pessoas que faziam parte do Candomblé, da Umbanda, e que não tinham coragem de se expor. Para mim foi um choque na época. Foi algo muito natural, porque dentro de casa a gente convive com isso, a gente conversa sobre a nossa religião, é algo muito natural tudo que a gente fala sobre. Eu sabia que a convocação foi em uma quinta feira de Oxóssi e o primeiro jogo foi em uma quinta feira de Oxóssi.

– Eu já tinha feito no Mundial sub-17, antes de ir para a Alemanha. Eu queria fazer um gol contra eles (Alemanha), porque jogava lá e tudo que eu passava lá ia alimentando aquela coisa de dar uma resposta. Eu queria muito marcar um gol e já estava na minha cabeça comemorar fazendo a flecha, mas não para dar a repercussão que deu. Era algo para mim mesmo, para a minha família. Acabou que o Villani fez aquela narração que deu uma repercussão enorme, que foi algo muito legal, foi muito importante também para mostrar realmente o que era a religião, a imagem que passava, que a gente queria transmitir. Foi algo muito bonito, foi muito legal ver tantas pessoas se sentirem representadas com o meu gesto naquele momento, em uma competição que é mundialmente conhecida.

Jogadores de futebol em geral são criticados por não se posicionarem em assuntos de interesse público. As pessoas muitas vezes cobram os jogadores. Você concorda com isso? Você acha que o jogador de futebol vive meio que em uma bolha?

– O mundo do futebol vive dentro de uma bolha, mas eu não concordo com as cobranças, porque as pessoas conseguem ver, mas não conviveram com uma carreira de jogador de futebol. A maioria dos jogadores não tiveram como conciliar estudo com o esporte. A maioria não teve o suporte familiar que, por exemplo, eu tive. Eu falo que sou privilegiado, a maioria não teve esse suporte, muitos tiveram que viajar muito cedo, sair de casa e conseguir tudo sozinho. Você vê na base do Galo o tanto de jogadores que são de fora, do interior, do Nordeste, do Norte, do Sul, que tem que deixar a família para vir para cá. Não dá para cobrar muito desses jogadores terem uma consciência política muito aflorada. Eu sei que tem muitos jornalistas que cobram bastante esse tipo de posicionamento, em momentos de eleições, ou quando acontece um crime que é muito popularizado, mas eu entendo também a insegurança dos jogadores. É meio complicado, mas eu consigo entender os dois lados, mas eu não concordo com a cobrança.

Nas eleições presidenciais de 2022, você foi um dos poucos jogadores a declarar voto nas redes sociais. Independente do candidato, você se arrepende, faria de novo?

Não me arrependo, jamais. Minha família e eu seguimos muito os nossos princípios, nossa ideologia, temos a nossa maneira de pensar na questão política. Não é querendo puxar para o fanatismo, é querendo visar mais o que o nosso país precisa, de acordo com o nosso olhar. Hoje tenho o instituto que a gente tenta mexer com a educação do nosso país. Acreditamos que isso pode ajudar na educação das crianças, jovens e adolescentes que buscam ser alguém na vida.

Quanto o Vasco impactou na sua visão política e visão de mundo?

Você pega a história do Vasco, que é uma história de muita luta, de sempre combater todos os tipos de preconceito que sempre existem no mundo. O Eurico construiu a escola do Vasco, se não me engano, foi em 2004. Foi um cara que sempre viu a educação como algo importante para a carreira do atleta e ele sempre estimulou a sabermos muito da história do clube. Automaticamente, te põe de cara para te conscientizar politicamente. Uma história absurda de luta contra os preconceitos

Fonte: Globo Esporte

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