Feliz como comentarista, Juninho revela que pensa em ser dirigente ou técnico

O ídolo vascaíno, que completa 40 anos nesta sexta-feira, só voltou a arriscar chutes e lançamentos em dezembro, no Maracanã.

Desde que trocou os gramados pelas cabines de transmissão, há pouco menos de um ano, Juninho Pernambucano jogou futebol apenas duas vezes. O ídolo vascaíno, que completa 40 anos nesta sexta-feira, só voltou a arriscar chutes e lançamentos em dezembro, no Maracanã. Era o jogo de confraternização promovido por Zico, seu companheiro na apresentação do “Futebol de verdade” na Rádio Globo. Além do programa na rádio brasileira, o ex-jogador se divide em outras duas frentes: é comentarista da TV Globo e da Radio Monte-Carlo (RMC), da França. Ao contrário dos boleiros recém-aposentados, que costumam adorar as peladas, o ex-meia cansou de competitividade.

— Não sei o que aconteceu. Encerrei a carreira por causa de uma contusão e depois fiquei com receio de jogar de novo. O tempo foi passando e não senti vontade. Estou procurando um esporte para fazer. De repente futevôlei, ou outra coisa diferente. Só não quero mais é competir.

O fastio chama atenção. Durante a carreira, Juninho se notabilizou pela vontade de estar em campo sempre que possível. Até hoje, é o único atleta a ter disputado dois jogos no mesmo dia: em 1999, participou da vitória do Brasil por 4 a 2 sobre a Argentina em Porto Alegre, tomou um avião e foi ao Uruguai defender o Vasco contra o Nacional. O feito está no Guiness Book, o livro dos recordes. Se a vontade de jogar diminuiu, o profissionalismo segue o mesmo na nova função.

— Ele tem uma forma crítica de enxergar as coisas no futebol, é um ponto fora da curva. Quer um exemplo? Ele disse em uma transmissão que, no fim da temporada, os clubes deveriam acabar com os treinos recreativos de sábado para evitar lesões desnecessárias. Os atletas adoram os rachões, apostam dinheiro e tudo. Muita gente não teria coragem de falar uma coisa dessas porque vai contra o interesse dos jogadores — conta o narrador Luís Roberto, companheiro de Juninho na Globo.

Quando era jogador, ele já usava os microfones para dizer o que pensava. Nos anos 1990, desafiou Eurico Miranda e, mesmo proibido, atendia à imprensa. Em 2013, quando muitos vascaínos alimentavam a esperança de virar a mesa e impedir o rebaixamento, disse que o clube merecia jogar a segunda divisão.

Juninho realmente parece não se importar que a sinceridade deixe alguns antigos colegas e fãs de cara feia. A função dos ex-jogadores que se transformaram em comentaristas, argumenta, é deixar em casa as cores dos clubes que defenderam.

— Se você não conseguir se desvincular da imagem de ídolo, tem que fazer outra coisa. Minha história com o Vasco é bonita, mas isso não me impede de falar bem dos rivais. E também não me dá qualquer receio de elogiar o Vasco. A partir do momento que você aceita a função, tem que dar a sua opinião. Independentemente do time — defende. — Às vezes você cruza com jogadores que não gostam do que você comentou. Não posso deixar de falar dos meus ex-companheiros. Quando alguém dizia que eu era lento, não me incomodava. Nunca fui um jogador rápido. Já cruzei com um time e alguns dos atletas fizeram cara feia na hora de me cumprimentar. Não deixa de ser um direito deles — minimiza.

A imparcialidade foi posta à prova logo na estreia. Pouco mais de dois meses depois de anunciar a despedida, em 6 de abril de 2014, ele estava na cabine de transmissão da TV Globo. A ocasião não poderia ser mais significativa: o clube da Colina, que o pernambucano defendera até pouco tempo atrás, enfrentaria o rival Flamengo na primeira partida da final do Cariocão.

— Já trabalhava para a RMC e havia feito participações na Globo, mas aquele dia foi especial. Eu estava inscrito pelo Vasco no campeonato, conhecia todo aquele grupo que chegou à final. E teve aquele gol irregular no fim do segundo jogo, que tirou o título do Vasco. Foi difícil se desvincular do sentimento de jogador. Mas fui bem recebido por todos da equipe da Globo, eles me ajudaram a deixar isso de lado.

Júnior, hoje um comentarista veterano, participou da transmissão e passou sua experiência ao novato. Idolatrado pelo lado rubro-negro da cidade, o Maestro deu a receita para o Reizinho deixar o passado de lado.

— A gente procurou passar tranquilidade, para a transição acontecer da maneira mais tranquila. Você precisa se convencer que não está ali para torcer, e sim para comentar os jogos. Os maiores elogios que recebi foi ser abordado por um flamenguista que disse “você tem que deixar de ser imparcial”. Acho que o Juninho está conseguindo fazer isso também junto ao torcedor do Vasco.

Depois de vencer o “vestibular”, ele passou por um intensivo na Copa do Mundo. Acompanhou de perto a jornada da seleção da França, país onde jogou de 2001 a 2009 pelo Lyon. Como foi companheiro de muitos jogadores convocados pelo técnico Didier Deschamps, dava detalhes sobre as habilidades e o temperamento de cada um deles.

O “estilo” do novo comentarista foi um prato cheio para o comediante Rudy Landucci. Seu jeito de falar o sobrenome do volante Blaise Matuidi com “sotaque pernambufrancês” virou piada no “Altas horas”, de Serginho Groisman.

— Foi aquela história do Matuidi, não é? O cara disse que eu ia mal no colégio porque tinha muita falta — recorda, aos risos. — Levei na boa. Quando a imitação não é ofensiva, não incomoda. A crítica em si faz parte. Sei que tem gente que não aceita meu sotaque. O que vou fazer? Se preferem julgar meu sotaque em vez do meu conteúdo e caráter, tudo bem. Sei que reclamam, mas meu chefe me deixou à vontade.

A mudança para a crônica esportiva, no entanto, pode não ser definitiva. Ele admite que a possibilidade de ser técnico ou dirigente ainda o deixa balançado. O depoimento de ex-companheiros que seguiram esse caminho pode pesar.

— Gosto muito do que estou fazendo, mas ainda estou naquela dúvida do que quero fazer depois de jogar. Tenho contrato de dois anos e pretendo cumpri-lo até o fim. Mas converso com amigos como o Leonardo para saber dos trabalho deles. O Lizarrazu (lateral francês campeão da Copa de 1998), que também é comentarista me disse: “meus amigos treinadores envelhecem muito mais rápido que eu”. Mas, por outro lado, outros ex-jogadores que estão em comissões técnicas ou são dirigentes se dizem felizes .

Luís Roberto, que já dividiu cabines de transmissão com muitos ex-atletas, sentencia:

— Eles têm um espírito de competição muito forte. Cedo ou tarde, isso vai bater na porta do Juninho. O próprio Júnior só se tornou comentarista depois de ser diretor do Flamengo. Acho que vai chegar uma hora que ele vai ter vontade de voltar. Seria um desperdício, tomara que ele continue conosco.

O Globo A Mais

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