Cristóvão Borges se manifesta sobre sua carreira como treinador e cita racismo

Técnico que começou a carreira no Vasco da Gama, Cristóvão Borges fala sobre racismo e como vem encarando a realidade.

Cristóvão Borges
Cristóvão Borges (Foto: Jorge William / O Globo

Cristóvão Borges acredita estar pagando o preço da escolha que fez ainda em 2017. Descontente com seu próprio trabalho, resolveu se afastar depois de ser demitido do Vasco. Tirou dois anos para estudar e tentar entender o que estava acontecendo consigo e com o futebol. Hoje, diz ter encontrado as respostas. O trabalho no Atlético-GO, no começo deste ano, interrompido não por causa de maus resultados, mas por resistir às interferências do presidente do Dragão, reforçou a convicção. Confinado devido à pandemia, não se cala diante do racismo e outras mazelas, ainda que isso venha a fechar outras portas: “Sou um ser politico, um treinador negro dentro de um contexto onde isso não é realidade.”

Como está a vida durante a pandemia?

Sou um cara que fico muito em casa, então eu me adaptei rapidamente. Mas, como tudo no Brasil, fizemos e estamos fazendo tudo errado. Vamos acabar tendo o maior confinamento do planeta. Mesmo antes da pandemia, como dei uma parada no futebol, já estava meio confinado. Estudo três vezes por semana, três horas por dia, em casa. Arrumei um parceiro de estudos porque não funciono bem sozinho. Estou tirando de letra o confinamento.

De onde veio essa vontade de estudar?

Quando acabou meu último trabalho no Vasco, em 2017, eu não estava gostando do que estava acontecendo, do meu trabalho, dos resultados e do que meus times estavam jogando. Refletindo, decidi parar e buscar respostas. Nós, treinadores, sempre reclamamos da falta de tempo para treinar, do calendário, do desgaste, mas é reclamação que acontece desde que eu jogava, na década de 1980. Pensei em qual é a influência disso no jogo que estamos jogando no Brasil. Resolvi então me juntar a um amigo português (José Quadros), muito antenado, também treinador, e fomos estudar. Ele é meu auxiliar. Isso foi no começo de 2017, antes que digam que procurei um português por causa do Jorge Jesus (risos).

O que estudaram?

De tudo. Estou sabendo de tudo que está acontecendo no futebol mundial. Estudamos todos os times, todos os modelos. As dificuldades que as equipes enfrentaram, as soluções que encontraram, que não encontraram. Conclui meu curso na CBF, da Licença Pro. Durante anos não tivemos quem ajudasse na formação, mas isso mudou. Participei de congresso da Confederação Espanhola, também estavam Mauricio Pochettino, Arsène Wenger, Seedorf.

Para você, qual é o jogo dominante no futebol atual?

O jogo tem quatro momentos: as organizações (ofensiva e defensiva) e as transições (ofensiva e defensiva). Muitas equipes não conseguem manter o alto nível nos quatro momentos. O Bayern foi campeão da Champions por isso, é bom nos quatro. O jogo hoje é de quem consegue diminuir o campo, jogar no espaço de 40 metros, de forma compacta. Ajuda a desgastar menos. As equipes que sofrem mais são as espaçadas. Você vai olhar os melhores times, os grandes sucessos. Como o Flamengo de 2019 jogava? Como joga o Atlético-MG atualmente? Se você pegar o mapa de calor dos jogadores desses times, eles percorreram menores distâncias. Por isso o Flamengo conseguia sempre repetir as escalações.

O que você não estava gostando no seu trabalho?

Como treinador, me vi refém. Olha a rotatividade do futebol brasileiro. É muito grande. Você não consegue terminar um trabalho, definir um modelo de jogo, colocar ideias em prática. Temos em média três treinadores em um time por temporada. Isso tem influência no jogo. Ficamos reféns do que é menos difícil, que é o jogo reativo. Ele dá mais confiança porque é simples. Enquanto o mundo joga com variações táticas, estávamos presos. Isso está começando a melhorar.

Mas você está a mercê desse cenário adverso, não?

Em vez de reclamar, eu fui me preparar. Hoje, depois de três anos, estou pronto, eu me preparei para conseguir estruturar minhas equipes da maneira que eu quero no menor prazo possível. Na minha volta, tive uma experiência curta, mas que já me deu um feedback de tudo que investi

Então por que você foi demitido do Atlético-GO?

Cheguei lá, o time já tinha disputado a pré-temporada e o primeiro jogo. Tive dois treinos para colocar a equipe em campo para jogar. Estávamos bem, vencemos o maior rival (Goiás) por 3 a 0, nos classificamos na Copa do Brasil. Mas mesmo com tudo isso, fui demitido (com seis vitórias, dois empates e uma derrota) porque existia incompatibilidade com o presidente. Adson Batista é um presidente personalista, que cuida do clube muito bem. Mas ele se assustou com a ofensividade.

E como vê a leva de técnicos estrangeiros no Brasil?

Altamente saudável, mas o treinador de fora chega sem essa carga e com certa tolerância. Ele não herda esse círculo vicioso. Isso ajuda o trabalho, mas é indiscutível a qualidade do Jorge Jesus, do Sampaoli. Conheço o Sampaoli há anos, muito antes de ele vir ao Brasil.

E como você se vê sendo uma referência quando o assunto é racismo no futebol?

Isso representa muito para mim e é uma parte do que motiva também. Além da minha paixão pelo futebol, eu sei o que eu represento e o que posso representar, o que posso influenciar sendo um treinador de algum destaque e sendo negro, por causa da desigualdade social e racial neste país. Essa representatividade me motiva, me dá força. É uma responsabilidade muito grande, mas que me dá orgulho, que me joga para cima, para frente. Carrego com garra, com o maior prazer.

E acha que ser esse representante contra o racismo pode te prejudicar?

Tem muita gente que tem receio de falar a respeito porque sabe como é uma coisa velada. Quanto mais esconder, ou calar quem fala a respeito, isso faz parte do processo do racismo, por isso é delicado se posicionar. Se tiverem possibilidade de não te dar espaço, não darão, isso acontece, sim. Dependendo da circunstância, pode me prejudicar também.

E você está disposto a lidar com isso?

Sou um ser político, um treinador negro dentro de um contexto onde isso não é realidade. Mesmo se não quisesse, já sou. Quero ser bom treinador, eu busco isso. Qualquer destaque que eu tiver, estarei politicamente lutando contra um sistema que oprime.

Como vê o caso Carol Solberg?

O Brasil tem uma esquizofrenia em vários aspectos e se entrarmos nisso, vamos falar de racismo, de violência contra a mulher, de sexismo. Cobra-se posicionamento dos atletas, aí quando tem algum que se posiciona, ele sofre assim. E os jogadores que, na época da eleição, se posicionaram a favor do presidente eleito? Com eles não aconteceu nada. Mas como ela é contrária ao candidato eleito, vai acontecer? Por que é do vôlei? Por que é mulher? Ela não deveria ter sido nem advertida.

E qual é o papel do futebol nessas pautas mais sociais?

É o de denunciar, falar, se colocar contra o racismo, contra a desigualdade social, contra a falta de oportunidades, contra a violência contra a mulher. Contra todas essas pragas que existem no mundo. O futebol já faz isso, mas de uma maneira tímida porque o sistema é pesado, forte. Neste mundo, temos de nos posicionar e falar cada vez mais.

Fonte: O Globo Online

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