Ademar Braga comenta situação do Vasco em entrevista

Leia a entrevista de Ademar Braga, ex-preparador-físico do Vasco da Gama, sobre a situação que o Clube vive neste momento.

Ademar Braga, ex-preparador-físico do Vasco
Ademar Braga, ex-preparador-físico do Vasco (Foto: Reprodução)

Na cobertura diária do Vasco nos anos 90 tive a oportunidade de participar de boas resenhas com o preparador físico Ademar Braga, que exerceu a função também na Seleção Brasileira. Ele trabalhou por 8 anos no clube da Colina, portanto conhece bem as entranhas vascaínas.

Seu último trabalho no futebol foi como coordenador de campo do Botafogo, com Antonio Lopes como diretor, na campanha de 2015 quando o Alvinegro subiu à Série A do Brasileiro. Aos 76 anos, Braga curte a aposentadoria e os netos, e conversou com o blog para, além de reviver os tempos bons dos tempos de Vasco, apontar caminhos para que o Gigante consiga se reerguer. O diagnóstico dele é bem direcionado: “Não adianta dinheiro, é preciso saber gastar. Tem de trazer profissionais com amor ao clube. Que são até mais baratos do que os que andam por aí.”

Confiram os principais trechos da entrevista:

Ricardo Gonzalez – Por que o Vasco caiu? E por que não subiu?

Ademar Braga – Ninguém discute que o Vasco é um gigante. Mas é preciso entender que o futebol mudou. Não é só o Vasco que caiu. Veja o drama do Grêmio agora. Dos 12 maiores clubes do Brasil, apenas Flamengo, São Paulo e Santos não caíram. Menos grave do que cair é, por exemplo, o Botafogo cair com R$ 1 bilhão em dívidas. Como se chegou a isso? É impossível saber, porque ninguém assume a responsabilidade. O texto original da Lei Pelé previa que dirigentes que administrassem o clube de maneira errada seriam responsabilizados “civil e criminalmente”. Ora, criminalmente significa que o dirigente poderia ser preso. Mas o Eurico Miranda, então deputado federal, retirou do texto da lei o termo “criminalmente”. Ficou apenas a responsabilidade civil. Aí cada um torra o dinheiro como quer e a dívida fica para o próximo presidente. Uma hora a conta estoura. Todo mundo exalta o clube-empresa, nunca vi ninguém falar mal. Mas por que ninguém adere a esse modelo? Porque na empresa a responsabilidade por desmandos é criminal. Então, nesse quadro, não há como dizer de quem é a culpa pela queda do Vasco.

R.G. – Então, ampliando para os times grandes, por que agora, além de cair, eles começaram a não subir?

A.B. – Primeiro porque há um equilíbrio enorme nos times, cada vez mais treinadores competentes. Outro problema é que o dinheiro fica escasso. A cota da mídia não é mais a mesma para os grandes na Série B, e não existe empresário que coloque o seu dinheiro em um clube que seja mal administrado, que não dá garantia de que será bem gerido. E há um dado que poucos falam: a arbitragem. Eu comecei no futebol em 1969, trabalhei no Olaria, no Bonsucesso, antes de ir para o Vasco. Quando atuava nos pequenos, a gente cansou de ser roubado, porque na dúvida era sempre a favor do time de camisa mais pesada. Hoje tem o VAR, que é uma ferramenta maravilhosa. Se houvesse VAR na Copa de 1986 talvez a Argentina não tivesse derrotado a Inglaterra e não fosse campeã do mundo, porque o VAR ia anular o gol de mão do Maradona. Então hoje os grandes na Série B não têm a ajuda do árbitro, têm de correr com as próprias pernas.

R.G. – Então como se faz para subir?

A.B. – Muitos falam que é preciso dinheiro, patrocínio forte. Claro que isso é importante. Mas dinheiro é muito menos importante do que saber gastar. O futebol hoje tem um problema: também com a Lei Pelé, os clubes passaram a ter um tripé próximo demais para o meu gosto: dirigentes, empresários e treinadores. São muitos interesses a serem atendidos…

R.G. – O Vasco tem, a meu ver, um problema específico: a figura de Eurico Miranda ainda paira sobre o clube. Os adeptos dele não conseguem se entender com seus críticos. Você trabalhou anos com ele, citou a atuação dele na Lei Pelé que não foi boa. É possível o Vasco seguir em frente sem tantas polêmicas?

A.B. – Não tem absolutamente nada a ver atribuir qualquer culpa ao Eurico pelo que o Vasco vive hoje. Eurico foi o maior dirigente que eu conheci e com quem trabalhei. O torcedor do Vasco tem muito a agradecer a Eurico. Não digo que fosse perfeito, que não errou. Errou na Lei Pelé, errou em 1990 quando meteu na cabeça uma interpretação errada do regulamento do Estadual e ajudou a perdê-lo (*). Mas o que eu mais ouvia quando ele comandava o Vasco era que o Flamengo precisava de um Eurico. Ele comandou a Seleção brasileira e foi campeão da Copa América de 1989, depois de 40 anos. Saiu no fim daquele ano e se tivesse continuado não teria ocorrido o episódio em que os jogadores cobriram a logomarca do patrocinador com a mão, na foto oficial. Eurico teria matado o movimento no nascedouro, teria resolvido o problema. A maioria dos campeões do mundo de 1994 estava em 1990, mas o ambiente estava problemático. A gente pode tirar o que era Eurico pelo que os jogadores falavam e achavam dele. Se fossem nomes de reputação ilibada, como um Ricardo Gomes, falando mal, aí você poderia desconfiar de algo ruim. Mas todos falavam bem de Eurico. Essa divisão é muito ruim para o clube, provocou por exemplo que inventassem que Roberto Dinamite era o único que podia derrubar Eurico. Foi eleito e não funcionou. Sou amigo dele, conversamos via rede social, mas foi mal no clube.

R.G – Se em vez de eu ter te procurado fosse o presidente Jorge Salgado a fazê-lo, pedindo conselhos a você para a próxima temporada. O que você diria?

A.B. – Se ele me chamasse para tomar conta do futebol, eu diria: eu quero trabalhar com profissionais experientes, que tenham amor ao esporte e ao Vasco. O problema no Brasil é que quem escolhe o técnico é o presidente do clube. Este é empresário, atua na bolsa, é advogado… Não entende profundamente de futebol. Ele deveria presidir o clube, e deixar os futebol nas mãos de quem é especialista. E aí acertaria com ele: vou fazer o que você decidir, se no fim do ano não houver resultado vai todo mundo pra rua, combinado? O primeiro nome que eu indicaria para ser o manager seria Antonio Lopes. Não adianta chamar pessoas que, mesmo com conhecimento teórico, não têm nem experiência de vida pra comandar um clube do tamanho do Vasco. Hoje estão aqui, amanhã estão em outro, não se cria vínculo, eles vão ganhando dinheiro mas não há amor à camisa. É preciso ter uma equipe muito dedicada, para fazer uma mapeamento, um garimpo profundo no mercado para trazer nomes sem gastar muito. O mercado está repleto desses profissionais com amor à camisa, e que são muito mais baratos do que os outros. E por fim, não adianta lançar um monte de garotos talentosos, porque eles vão afundar. Veja quantos bons jogadores o Vasco lançou este ano, e no fim da temporada a torcida está pegando no pé deles, perseguindo garotos que podiam e ainda podem dar muito ao clube.

R.G. – Você citou Antonio Lopes. Ambos trabalharam no Botafogo em 2015, justamente quando o clube subiu da Série B para a Série A. Já sabe, portanto, qual é o caminho para voltar à elite. O que daquela campanha poderia ser utilizado como exemplo pelo Vasco em 2022?

A.B. – Quando assumimos o Botafogo tinha 7 jogadores sob contrato. Havia filas de empresários querendo colocar seus jogadores no clube. Mas nós fomos prospectar. Achávamos um nome bom, mas antes de trazer ligávamos para todos os treinadores com quem ele trabalhara, para pegar informações também sobre a postura do jogador. O Atlético-GO vinha ladeira abaixo em 2014, mas faltando oito rodadas começou a ganhar e escapou da degola. Sabe quem entrou no time ali, e coincidiu com essa reação? William Arão. A gente foi lá e o trouxe para o Botafogo. Tire hoje o Arão do Flamengo para ver se a defesa do time não desaba… Precisávamos de um líder, um símbolo, alguém que fosse o torcedor em campo. Esse nome era o goleiro Jefferson. Ele não estava querendo jogar porque o Botafogo lhe devia R$ 400 mil. Conversamos com ele e com o presidente Carlos Eduardo Pereira, que aceitou parcelar a dívida e pagá-la junto com o salário. Jefferson aceitou e foi brilhante na campanha do acesso. Trouxemos profissionais menos caros, menos midiáticos, mas absolutamente comprometidos com o projeto, que foram Renê Simões e um pouco mais adiante o Ricardo Gomes. Ou seja: os caminhos estão aí, não há fórmula mágica, basta deixar que quem entende de futebol e tenha amor a um clube esteja a frente do processo de reerguimento desse clube.

R.G. – Como está sua vida hoje?

A.B. – Estou curtindo meus 76 anos, minha aposentadoria, meus netos. Vejo todos os jogos que passam, não saio da frente da telinha. Sou formado em Direito, Pedagogia e Educação Fisica. Mas quando e se me perguntarem o que fiz de melhor na minha vida, eu responderei sem piscar: Fui professor.”

O blog espera ter dado, com a visão de Alexandre Campello e Ademar Braga, uma ínfima contribuição para que 2022 seja um ano melhor para o Vasco. Agora é com Jorge Salgado…

Nota do Blog – O regulamento esdrúxulo do Carioca-1990 previa que os vencedores de turno (Vasco e Fluminense) disputassem um jogo e o vencedor enfrentaria na decisão o time de maior pontuação geral (Botafogo). O Vasco venceu por 1 a 0 e, como vencedor de turno, teria a vantagem do empate contra o Botafogo. O Alvinegro entendia que se vencesse em 90 minutos seria campeão. Eurico Miranda entendia que o Botafogo precisaria vencer no tempo normal, para que fosse então disputada uma prorrogação. O Botafogo venceu por 1 a 0, pegou a taça, deu a volta olímpica e foi embora. Os jogadores do Vasco ficaram em campo esperando a prorrogação. Sem adversário, pegaram uma caravela de madeira e deram uma patética volta olímpica. O título ficou suspenso, até que o STJD confirmou a interpretação do Botafogo, declarado campeão.

Fonte: Globo Esporte

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1 comentário
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    Ótima entrevista parabéns

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